A garota do Djalma vai cair nos braços de outro homem

Eu passava pelo Passeio Público vindo do Alto da Glória quando fui atraído por um casal de Urubu-Rei. Não me lembro de ter visto Urubu-Rei em outras ocasiões, que não fosse ali, mas fiquei impressionado com a majestade do bicho alado. Fiquei pensando como um bicho bonito daquele come carniça. Mas a natureza fez tudo certo, porque os urubus funcionam como um batalhão de reciclagem: transformam carniça em comida e o barco da natureza segue em frente. Como estava cansado, sentei num banco e me lembrei de um bando de urubus que vi na infância empoleirado em árvores perto do matadouro municipal. Aqueles eram negros e o casal de Urubu-Rei era branco.

Estava com estes pensamentos sobre a diversidade do reino animal, quando no banco ao lado ouvi uma mulher falando ao celular. Esta engenhoca criou novo hábito: todo mundo fala alto coisas íntimas sem o menor pudor de ser ouvido. Elas compartilham dramas privados. Todo mundo sabe da vida de todo mundo. E fiquei sabendo que a mulher do Djalma o abandonou para virar meretriz. Mas o cara quer que ela volte para comandar o fogão de casa. A dona estava determinada a ficar na prostituição e o ex-marido insistia em oferecer mais uma oportunidade, prontamente rejeitada: “Djalma, eu já disse que não vou voltar pra você. Eu sou mulher da rua e pronto. Eu agora sou uma call girl, Djalma”. Ele não sabia o que era call girl: “Eu já disse que não vou sair da rua. Eu tenho a minha vida e você tem a sua. Cada um leva a sua vida e está resolvido”. Ela foi clara. Mas quando um sujeito gosta de uma dona, não tem remédio. A coisa é forte. Djalma não desistia.

Tentei imaginá-lo fazendo juras de amor no outro lado, implorando e a dona inflexível: “Eu tenho minha liberdade. Estou aqui porque quero. E você não tem nada com isso. Arrume outra mulher que fica bom para todo mundo. Você é uma boa pessoa, mas eu não sirvo pra você e você não serve pra mim”. Maior franqueza, impossível. Ela falou mais coisas, algumas impublicáveis, para convencer Djalma a cair fora. Eu ouvindo a torrente de revelações íntimas enquanto olhava o casal de Urubu-Rei. Achei melhor cair fora e foi o que eu fiz. Antes olhei de soslaio para a mulher: era jovem, não era tão feia e tinha cabelo loiro escuro e olhos tristes. Ela continuou rechaçando as tentativas de conciliação feitas por Djalma. Em breve estaria em outros braços.