A dama dos olhos tristes do Bar Stuart

Os jovens são ingênuos quando supõem que emoções amorosas acontecem até os cinquenta anos e depois, nada. “Como estão enganados”, disse Carmem Albuquerque Veiga, filha do finado coronel Arquimedes Albuquerque Veiga, pernambucano que morreu e deixou pensão generosa. Ela nunca se casou para não perder a pensão, mas em compensação não foi feliz com homem algum até o começo de setembro do ano passado. Aos 56 anos, Carmem viveu a paixão mais intensa de sua vida. Coisa louco, de subir as paredes. Ela não imaginou que existia aquilo. Até então, só encontrou péssimos amantes, brutos, indelicados e oportunistas, que cumpriam o manjado roteiro: entravam na sua vida para serem enxotados. Um deixou filha, mas não deixou saudade. O resto não deixou nada.

“Todos mandei embora, porque não passavam de uns trastes”, disse. Quando achava que ia fechar a última página da vida amorosa com desfecho insosso e infame, apareceu o garçom Jordan Mastrangello, 58 anos, que mora no Campo Comprido, italiano sedutor e neurótico. A coisa começou na mesa do Bar Stuart, na Praça Osório, perto do prédio em que Carmem mora. “Eu peguei o hábito de ir ao Stuart, para tomar chope, ver as pessoas e me distrair um pouco”, disse. Numa ocasião, Mastrangello, que trabalha em restaurante granfino, apareceu, se apresentou e sentou. E foi levando uma conversa bem macia. “Ele me disse coisas bonitas. Disse que eu tinha beleza misteriosa, como a de Joan Crawford quando jovem”, contou.

Carmem quis saber detalhes de sua semelhança com a atriz. Ele acrescentou: “Talvez os olhos negros e tristes, o nariz alongado, talvez estes lábios, talvez tudo isto”, disse. Esta conversa mole levou a dona no bico. No encontro, ele pegou número do celular. Carmem foi embora com a cabeça cheia de galanteios e coração batendo forte, além da velha dúvida: “Será que ele vai telefonar?”. Ela sabia que os caras não ligam no dia seguinte e ela tinha idade para não ter ilusões. O cara não ligou no dia seguinte, mas cinco dias depois sua voz soou no celular: “Oi, querida!”. Ela atendeu, ouviu e o coração disparou. Mastrangello convidou-a para conhecer o sobrado do Campo Comprido.

A dona disse que estaria lá em uma hora. Antes, entrou na internet, procurou fotos de Joan Crawford. Queria arrasar em grande estilo, tipo cover da atriz. Uma hora depois desceu do táxi diante do sobrado. Era começo da noite. Ela percebeu a tensão latente nos olhos e o respirar ofegante do anfitrião. Ia rolar coisa. Mas o quê? O garçom mostrou sobrado, serviu vinho, a conversa entrou no ritmo de aquecimento para coisas íntimas. Ele convidou: “Você quer conhecer o meu laboratório?”. Ela não entendeu a história de “laboratório”, mas subiu a escada e foi ao pavimento superior. Laboratório era o quarto. “Chegando lá em cima, ele fechou a porta e me sapecou um beijo tão quente que me tirou o fôlego e quase me queimou a boca”, disse Carmem.

O resto foi consequência. “Nunca senti prazer tão intenso na vida”, resumiu. O único problema da noite quente no amor, foi não encontrar cobertores suficientes para se aquecer do frio que envolvia a cidade. Mas dormiu feliz. Claro que estes detalhes não a impediram de se apaixonar. Houve outros encontros. Até o dia em que o cara quis conhecer o apartamento de Carmem perto da Praça Osório. Ela disse não, talvez ressabiada por seus homens anteriores, talvez por temer a língua infernal dos porteiros, que ela chamava de “categoria que sabe da vida de todo mundo num condomínio, mas que esquece o essencial”, talvez por temer avançar ainda mais no caso com o garçom. A reação de Mastrangello foi violenta: “Ele ficou irado, disse que eu tinha vergonha dele, seu rosto se crispou e ele tentou me estrangular. Depois, me levou para a sala, abriu a porta e me jogou para fora do sobrado. Foi a coisa mais louca do mundo! Eu estava tão feliz, fiquei humilhada e ofendida”. Mas ela não podia negar: “Foi o melhor homem em toda a minha vida, aquele sabia fazer a coisa”.

E para colocar um ponto final na história e demonstrar que apesar de tudo ainda era grata ao sedutor e neur&o,acute;tico garçom, Carmem foi na Loja Havan, comprou edredon, cobertores e lençóis, itens necessários no “laboratório” – afinal, mesmo nas noites quentes, as mulheres sentem frio. E deixou na porta, com um bilhete: “Você foi o fauno de minha vida, o Frankenstein de minha existência”. Na rua, entrou no táxi que a esperava e chorou, pois sabia que não ia encontrar outro daquele. E voltou ao Stuart. Seus olhos agora estão mais tristes.

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