“A Dama do Largo da Ordem” foi o título do primeiro folhetim que escrevi para a Tribuna do Paraná, quando ainda era editor de política em O Estado do Paraná. A ideia de criar uma seção diferente foi do diretor da Tribuna, Rafael Tavares. Era para sair no final de 2008, mas a nova seção foi lançada em 2010. O primeiro capítulo saiu em novembro. O ilustrador Osvalter Urbanati fez uma programação visual bacana que tornou agradável e dinâmica a leitura. As histórias tinham ritmo ditado pelo estilo da publicação, um jornal popular: capítulos curtos, um pouco de suspense e um pouco de humor. A trama alimentada por um mistério mantido até os capítulos finais.

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A fórmula não era nova. Muitos escritores de primeiro time na literatura nacional e internacional, depois do advento da imprensa, publicaram obras seguindo este modelo – nas páginas de jornal. Na realidade, as novelas de televisão de hoje e as de rádio de grande parte do século 20 descendem dos folhetins impressos. A ideia era esta: resgatar algo que fez parte da história do jornalismo impresso, com enredos em Curitiba ou arredores. A seção Folhetim durou quase dois anos e no período publicou três histórias – “A Dama do Largo da Ordem”, “O Pavão Tatuado” e “Um estranho chamado Anjo”. Elas não negavam a influência do cinema, da literatura noir e pequena dose dos irmãos Marx – que não eram comunistas.

Antes de a seção terminar, eu tinha outras duas histórias prontas – “A Loira do Taxi Noturno” e “O Homem do Hotel Cervantes”. Era preciso trabalhar em casa com antecedência, para resolver problemas de construção de enredo e também para não entrar na armadilha de deixar tudo para a última hora. Como estas duas histórias não foram publicadas no jornal, eu as publiquei em livro no começo do ano passado. Saiu então um volume com duas histórias e duas capas. Em um lado, a primeira; em outro, a segunda.

Alguns amigos que leram as duas histórias – e não leram as publicadas na Tribuna – sugeriram publicar também em livro as histórias que saíram no jornal. Eu não pensara no assunto, porque, para fins de conhecimento público, os três primeiros folhetins tinham saído da gaveta, não eram mais inéditos. No entanto, achei a sugestão procedente, porque, publicando as três histórias em livro, criava a chance de amigos ou leitores de outras cidades tomarem conhecimento do trabalho, além de dar forma e conjunto a um ciclo de trabalho. São cinco novelas, quatro com um personagem central, o detetive curitibano Lindomar Stenzel. E as cinco unidas por um estilo narrativo – folhetinesco. Fazia sentido.

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Assim, eu dediquei parte deste primeiro semestre a preparar a edição do novo livro com as novelas “A Dama do Largo da Ordem” e “Mate meu marido, por favor!”, esta segunda publicada pela Tribuna sob o título “Um estranho chamado Anjo”. O livro ficou pronto. Ele tem 280 páginas, duas capas, uma para cada novela, mas só um preço: 20 reais. Uma bagatela para lançamento. Ele pode ser encontrado na livraria Sebo Novo, ao lado na Tribuna, no centro da cidade. O endereço da livraria, que atende pela internet (sebonovo@gmail.com), é Rua José Loureiro, 306, fone 3029-5131. Aos leitores fica a sugestão e aos que se interessarem os meus antecipados agradecimentos.

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Leia o trecho do livro.

“Tenho pavor de labirintos”

            “Eu quero o meu filho.”

            O detetive Lindomar Stenzel encarou o comendador e disse:

            “Muito bem. Eu não estou com ele.”

            “Eu sei. Mas o senhor pode encontrá-lo.”

            “Já tentou a pol&i,acute;cia?”

            “Já. O senhor sabe, a corrupção e a preguiça transformaram a polícia num organismo quase inútil. Além disso, eu não sei o que aconteceu. E caso seja algo que eu não gostaria de contar para os amigos, nunca vou ter a certeza de que não vai cair nos ouvidos de um engraçadinho querendo aparecer num jornal e transformar uma história de família em escândalo. Entendeu?”

            Fazia sentido. Mas, ainda assim, tinha um problema. Ele podia ser Lindomar Stenzel, mas estava com setenta e cinco no lombo. E isto é coisa que nenhum sujeito pode ignorar. Ele andava faceiro todas as manhãs pela cidade de boné e tênis, andava quilômetros, aquilo fazia bem para a saúde. Mas uma coisa é andar e outra é correr atrás de alguém sem que o sujeito saiba onde esse alguém se meteu. Ele era um cara cheio de dúvidas e nenhuma certeza.

            O comendador parecia adivinhar os pensamentos do detetive:

            “Eu pago cinquenta mil. Metade agora e o resto depois do serviço.”

            Ele era um cara cheio de dúvidas. Mas o comendador era um sujeito que sabia acabar com as dúvidas de qualquer sujeito, mesmo sendo um Lindomar Stenzel. E mesmo que ele tivesse setenta e cinco anos de idade.

            Agora ele tinha dois motivos para não dizer não ao comendador. Era só olhar a sua casa na Ubaldino do Amaral e a conta bancária e conferir quase humilhado a aposentadoria do INSS que pingava todo mês na conta bancária. Aquilo não dava para comprar os remédios, que velho não se arrasta pelas cidades sem boa dose diária de comprimidos. E, geralmente, eles são caros. Agora aparece um sujeito disposto a deixar sua conta gorda e ele tranquilo por um bom tempo. Ele não podia negar. Mas também não podia dar pulos de alegria na sala, diante do comendador.

            Lindomar Stenzel murmurou como estivesse muito contrariado:

            “O senhor continua generoso, hein comendador!”

            “Não é generosidade. É necessidade. Eu preciso saber o que aconteceu com aquele rapaz.”

            “Muito bem. Me conte tudo o que sabe.”

            O caso não parecia complicado, embora ante os olhos do comendador Uchôa fosse um drama sem solução. Era daqueles casos de família que se reproduziam pelo mundo afora. O comendador em sua juventude rica em Londrina se apaixonou por uma dona de uma casa de moças de entretenimento para senhores endinheirados e respeitáveis, moças que vinham do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, algumas que tentaram ser miss de alguma coisa. E como sempre acontecia naqueles casos, alguma coisa se perdia no caminho e naquele tempo os homens davam muito valor àquela coisa. Como eram bonitas, não precisavam decair tanto. Havia sempre quem pagava bem. E algumas se ajeitavam com tipos como o comendador. Alguns anos depois a dona teve um filho, o comendador arrumou uma casa e tudo se ajeitou – ele nem fez questão de ver a cara do garoto mais que duas vezes. Quando ficou maior o garoto foi para uma escola religiosa e quando entrou na adolescência foi estudar na capital. Direito. Aí sempre acontece uma merda. O comendador era casado, a mulher não sabia do caso, mas a mãe do garoto resolveu querer mais do que recebia. Virou escândalo. Razão pela qual o comendador não gostava de escândalo. Ele meteu um pé na bunda da dona e o rapaz que não conhecia o pai ficou ainda mais magoado. E se nunca se falaram, depois daquilo menos ainda. Passado tanto tempo o comendador diz que não conseguia dormir de madrugada. Pensava no garoto que nunca viu depois que ele foi embora de Londrina.

            “Os pesadelos, com,o os sonhos, são labirintos. Eu tenho pavor de labirintos. Faço qualquer negócio para escapar deles.”

            Lindomar disse:

            “É uma história muito triste, comendador.”