A frase mais ouvida nos últimos meses é velha, surrada e sempre presente: “A crise está feia!”. Na realidade, a crise nacional é crônica. Eu acredito que ela existe desde que Dom João VI, com medo de levar cacete de Napoleão Bonaparte, chegou ao Rio de Janeiro com 15 mil pessoas da corte e disse: “Raios, a crise está feia!”.
Foi nosso primeiro grito de independência, porque em seguida ele decretou que o Brasil não era mais colônia. Ou seja, nascemos no meio de uma crise. E a independência veio no meio de outra, porque as cortes portuguesas queriam de volta a Fazenda Brasil, para dilapidar como sempre fizeram e Dom Pedro I a proclamou. No meio de uma crise. E o Brasil pagou uma grana preta e ficou devendo dinheiro para os ingleses. Velho Brasil. Em crise e devendo.
O mesmo aconteceu com a proclamação da República. Dom Pedro II disse que a crise estava feia e o Marechal Deodoro da Fonseca, uma perna grossa e outra seca, foi para a Praça da Aclamação, destituiu o imperador e deu golpe de estado. A República nasceu no meio de uma crise e desde então vive no meio de crises.
Embora o nome Brasil seja masculino, o país parece ter anatomia feminina, porque não vive sem cólicas periódicas, que mudam o humor de todo mundo. E pelas ruas da cidade todo mundo fala: “A crise está feia”. Quando se trata de empresário em dificuldades ou trabalhador desempregado, é de cortar o coração.
Mas quando se trata de sujeito, como o Ataíde Bananeiro, que nunca trabalhou, ele repete a voz das ruas. Eu o encontrei na Rua XV e ele disse: “Rapaz, a crise está tão feia que eu estou comprando melancia em três prestações”. A frase é interessante, mas não é verdadeira. Em tempos de crise não é bom fazer dívidas. Ainda mais para comprar supérfluo.
Embora seja real, a crise vira argumento para tudo. Um sujeito foi comprar apartamento. Ele tinha dinheiro. Mas queria comprar barato porque “a crise está feia”. E desfiou um rosário de lágrimas, que corre o Paraná e não vende nada. “Nunca vi crise como esta”, disse com base em sua experiência de trinta anos de existência. O velho aposentado disse: “Filho, se você quiser comprar, compra. Mas não tente me fazer baixar o preço por causa da crise. O Brasil sempre esteve em crise. O meu pai morreu depois de perder tudo no confisco da poupança”. O rapaz não sabia o que foi aquele absurdo confisco da poupança, mas sabia de uma coisa: “A crise está feia!”.