A chiquérrima aparição de Hugo Henrique na corrida eleitoral

A campanha eleitoral deste ano corria célere sem alteração significativa para um final melancólico, sonolento e modorrento quando o senador Álvaro Dias, que pleiteia mais oito de vida pública na Câmara Alta da República, introduziu, abruptamente, no horário eleitoral gratuito um elemento surpresa que deu a esta patética campanha um tom chique – e também, canino. Os eleitores do senador tucano e os eleitores de outros candidatos conheceram a figura alva, peluda e charmosa de Hugo Henrique, que à primeira vista pensei tratar-se de um poodle destes de fazer qualquer costureiro francês ou madama italiana morrer de inveja. No entanto, fui informado por esclarecimentos posteriores se tratar de um bichon à poil frisé, conhecido por bichon frisé. Até no nome o bichon é chique.

Hugo Henrique salvou uma parte da campanha da mesmice. Finalmente me interessei por algo porque o resto está de doer. Eu quis saber a origem do animal. E fui informado que o bichon frisé, que em alemão se pronuncia “hannover’scher schweisshund“, por isso aconselho aos amigos a ficarem com a versão francesa, tem origem obscura, porém nobre. Obscura porque ninguém sabe de onde veio exatamente. Há especialistas que dizem tratar-se do cruzamento de barret com maltês. Como ele é parecido com o poodle, já foi usado em cruzamentos com esta raça. Embora seja reivindicada pela França, a raça é tratada como de origem belga e espanhola. Esta raça era tão bem conceituada socialmente que tinha lugar de destaque na corte de Henrique III. Há um quadro do bichon pintado por Jean Honoré Fragonard.

Por isso o cachorro do senador estava tão à vontade. Ele, como o dono, está acostumado ao poder. E antes que alguém faça trocadilho infame com a palavra bichon, já vou esclarecendo que ela se origina do verbo bichonner, que em francês significa enfeitar. E nada mais natural. O bichon enfeitou o programa eleitoral do senador. Deu um toque de elegância canina ao horário eleitoral gratuito onde só tem gente sem graça falando textos decorados e sem graça, passando para os eleitores uma convicção análoga a de uma adultera que ao ser flagrada na cama com o amante pronuncia assustada para o marido: Não é o que você está pensando.

Mas, depois que o senador desapareceu da tela de minha televisão com o seu animal, eu ainda fiquei com a imagem de Hugo Henrique na cabeça e com algumas indagações sobre o personagem. Eu posso correr o risco de ser interpretado por cínico, mas a verdade é que fiquei tentado a descobrir a origem do nome do cão. A primeira ideia que me ocorreu, acredito que não se corresponda à realidade. Seria uma homenagem de Álvaro Dias a dois homens públicos, dois ex-presidentes sul-americanos, um venezuelano e outro brasileiro. Sim. Eu pensei na hora que Hugo Henrique fosse uma homenagem a Hugo Chavez e a Fernando Henrique Cardoso. Talvez não seja, e se não for, isto nos devolve ao mistério.

Bem, um mistério que não tem relevância. E para que eu não seja acusado de falar sobre o cão e esquecer o principal – para mim o principal ainda foi o cão – o senador levou Hugo Henrique para ilustrar o seu comentário a respeito do projeto que apresentou de proibir o uso de animais em pesquisas. Foi então que ele fez duas declarações interessantes: ele é sensível e gosta de Hugo Henrique. A aparição do cão causou um alvoroço nas redes sociais. Surgiu comentário de todo tipo. O que demonstra o desinteresse do eleitorado em tudo que os demais candidatos falam, se é que alguém presta atenção. Mas a verdade em tudo isso é que o senador não inventou a roda ao convidar Hugo Henrique para reforçar a sua campanha eleitoral. Muito antes dele, na Roma Antiga, Calígula também colocou o seu cavalo Incitatus no centro do debate político. Além de fazer dele um senador, de lhe dar estátua de mármore em tamanho real, o imperador cogitou transformá-lo em cônsul. Não acredito que Hugo Henrique ambicione tais coisas. Mas existem precedentes.