O último dia 13 de maio marcou o Dia da Abolição da Escravatura, instituída pela Lei Áurea há 136 anos. Para não deixar essa história passar batida, a coluna separou a história verídica de Luís, arrancado à força de sua família e que conseguiu na Justiça garantir sua justa liberdade no século 19. O

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trecho a seguir, publicado originalmente no livro TJPR – 130 anos de História (escrito pelo autor em 2021), mostra os horrores a que o povo africano foi submetido em território brasileiro durante o período escravocrata. Que sirva de lição para que nunca se repita e que contribua para que o racismo deixe de existir em nossa sociedade.

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“Luís foi retirado quando tinha entre 10 e 12 anos de sua pátria, na África, deixando pai, mãe e irmãos. Chegou ao Brasil por volta de 1850 e durante 27 anos foi escravizado em Paranaguá, no litoral paranaense. Em janeiro de 1877, entrou com um processo pedindo liberdade contra seu “proprietário”, chamado Jacinto Luís Figueira.

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Por quase três décadas, Luís foi “lançado à força debaixo dos mais terríveis tratos”. Partiu com destino ao Brasil ao lado de “grande número de infelizes companheiros de infortúnio no porão de um navio negreiro. Vendo-se, desde então, privado do dom mais precioso que pelo criador foi dado à criatura – a liberdade e reduzido à escravidão, com todos os seus horrores, tem sofrido paciente por tão longo período”, conforme consta no processo que pedia a liberdade a Luís, mantido no acervo do Museu do Tribunal de Justiça do Paraná.

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Seu representante legal era José Cleto da Silva que ressaltou que Luís estava sendo “vítima (…) da tirania, a mais atroz, sofrendo como tem sofrido o pesado jugo do cativeiro”. “Arrebatou-lhe dia por dia o pão ganho com o suor do seu rosto; a fraqueza transformada em obrigação legal”, complementou seu curador legal.

José Cleto se baseou na lei de 7 de novembro de 1831, que declarava “livre todos os escravos vindos de fora do Império”. Naquele ano, o Brasil, já independente, editou uma lei proibindo a importação de escravos. O decreto legal ainda determinava que “todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres”.

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Com isso, o escravo Luís não poderia ser, a rigor da lei, escravizado. A partir desse período, a costa brasileira foi, inclusive, vigiada e percorrida por navios ingleses. Mas essa vigilância não impediu que o crime continuasse.

Luís tinha certidão de batismo e de matrícula que foram usadas como provas de que veio depois de 1831. Pelos documentos, ele teria chegado ao Brasil por volta de 1850. Em 1858, ele completou 28 anos.

A própria matrícula de bens de Jacinto Figueira datado de 1850 constava o nome de Luís, “africano, 20 anos, carroceiro”. A certidão de batismo de Luís comprovava ainda que ele foi batizado em 30 de dezembro de 1850, na Igreja Matriz de Paranaguá – documento assinado pelo presbítero secular Júlio Ribeiro de Campos.

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Documentos provaram ainda que o proprietário Jacinto alugava o escravo Luís para outros donos de terra. O advogado lutava para que Luís fosse declarado livre. Em 1879 ouviram-se testemunhas, dentre eles três ex-escravos: Joanna, Isabel e Domingos. O juiz municipal era o Tenente Coronel Manoel Leocádio de Oliveira, que intimou Jacinto em 1879. Em março daquele ano, o Judiciário paranaense fazia, enfim, justiça e declarava Luís um homem livre”.

Breve contextualização

No Paraná, o Porto de Paranaguá virou um centro de contrabando de escravos. Em 1772, a área que hoje pertence ao estado tinha cerca de 7,6 mil habitantes, segundo estudos da historiadora Altiva Pilatti Balhana. Desses, 1,7 mil eram escravos – quase 22% da população total. A partir de 1853, quando foi criada a Província do Paraná – o território até então pertencia a São Paulo – a escravidão marcou a região de forma mais acentuada. Tanto que, quase uma década antes da abolição, em 1876, o Paraná chegou a contabilizar 10.560 escravos – sendo mil na cidade da Lapa e 920 em Curitiba.

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Já nos anos 1880 a campanha abolicionista ganhou força no Paraná. Cidades como Lapa, Palmas, Campo Largo e Paranaguá conheceram as primeiras chamadas “sociedades emancipadoras”, que ganharam apoio na imprensa local, como os jornais 19 de dezembro, Província do Paraná e Gazeta Paranaense.

Duas sociedades ficaram bem conhecidas no final de 1880. A Sociedade de Redenção Paranaguense chegava a comprar escravos para depois os libertar. Em Curitiba, a Sociedade Ultimatum promovia fuga dos escravos para outras localidades, como Uruguai e Ceará, cuja província conseguiu abolir a escravidão quatro anos antes da Lei Áurea.

Dessa última, fazia parte o magistrado e futuro desembargador Itaciano Teixeira. Outros magistrados, como Vicente Machado e Casimiro dos Reis Gomes e Silva, atuaram firmemente no propósito de acabar com a escravidão no Brasil. Fato que só aconteceu em 1888, com a assinatura da Lei Áurea.