Vazamento histórico

A matéria do jornal O Estado de S. Paulo é uma das muitas que a imprensa nacional destinou ao assunto nos últimos dias: “Cerca de 600 mil pessoas aderiram a um abaixo-assinado em apoio ao WikiLeaks na segunda-feira, um dia antes da segunda apresentação em um tribunal em Londres do fundador e editor-chefe do site, Julian Assange. A campanha realizada pelo site Avaaz pede que os Estados Unidos e outros países “interrompam imediatamente as medidas contra o WikiLeaks e seus parceiros’ e respeitem “as leis de liberdade de expressão e liberdade de imprensa’. (…) Assange foi detido no dia 7 de dezembro em Londres com base num pedido de extradição da Suécia, onde promotores querem interrogá-lo por crimes sexuais. Ele nega as acusações e seus advogados disseram que elas têm motivos políticos”.

Julian Assange surgiu como um furacão para se tornar uma das personalidades mais estranhas da atualidade, de longe um dos personagens deste 2010. Seu site, o WikiLeaks, provocou os maiores constrangimentos diplomáticos já vistos nos Estados Unidos e em outras grandes nações (o Brasil entre elas). O vazamento histórico de informações sigilosas abriu feridas nas relações internacionais que dificilmente serão curadas nos próximos anos.

A primeira constatação que se faz dos documentos disponibilizados no WikiLeaks é que há muito de fofoca onde deveria haver apenas discussão séria sobre problemas e soluções políticas, econômicas e diplomáticas. Embaixadores, cônsules e ministros surgem como fuxiqueiros em vários documentos, dando apelidos desairosos a estadistas, usando comentários esparsos e erráticos como fontes importantes, transformando mexericos em verdades absolutas. Foi um golpe para a diplomacia mundial, principalmente para a dos Estados Unidos.

Outra constatação inevitável das revelações do WikiLeaks é a fragilidade dos sistemas de segurança ante a mais terrível das armas – o ser humano. Tantos vazamentos só podem ter sido feitos pela vontade extrema de algumas pessoas em ver o circo pegando fogo. É aquela história – segredo que mais de uma pessoa sabe deixa de ser segredo. Especialistas em internet ou não, foram essas pessoas que facilitaram a vida de Assange, que tornou os documentos planetários e se notabilizou como o principal inimigo visível dos políticos das principais potências mundiais.

E são estes políticos que não se manifestam quando da estranhíssima prisão de Assange. Se tivesse havido mesmo o estupro alegado pelas vítimas suecas, por que tanta demora para acusá-lo? E diante de algumas premissas tortas, como as polícias de vários países se mobilizaram para prender o ativista? Por mais que possamos imaginar que Julian Assange possa ter cometido algum ato criminoso com as mulheres, a história da prisão está muito mal explicada.

A impressão generalizada é que há uma associação entre a detenção de Assange e as revelações do WikiLeaks. Como se fosse um “aviso” ao ativista -ou você acaba com a brincadeira, ou vamos atrás de tudo que você fez na vida até descobrir outra escorregadela. O que os diplomatas e políticos sabem é que o estrago já foi feito. E que os documentos vazados na internet estão por todos os cantos, sendo avidamente lidos por jornalistas e interessados, e a cada dia surgirão novas revelações que novamente vão deixar os poderosos do mundo em maus lençóis.

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