Um momento perigoso

O Estado do Paraná publicou, na quinta-feira, material especial sobre a crise de credibilidade na Fórmula 1, um dos esportes mais populares do planeta, e quase um patrimônio nacional, por conta do brilho dos títulos dos pilotos Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna, três dos nomes fundamentais para a compreensão dos esportes de velocidade. Um deles, Piquet, está intimamente envolvido com o escândalo, pois denunciou o chefe da equipe Renault, o italiano Flavio Briatore, e o braço direito deste, o engenheiro britânico Pat Symonds, de terem preparado um acidente com Nelsinho Piquet, filho do tricampeão, no Grande Prêmio (GP) de Cingapura de 2008.

Um dos maiores especialistas no assunto, o jornalista e colunista de O Estado Flavio Gomes, colocou o dedo na ferida: “Symonds e Nelsinho entregaram tudo por delação premiada. Não serão punidos pela FIA. Serão pela F1. Estão acabados. Briatore negou até agora, e tudo que lhe restou, além da justificada fama de mau elemento, foi o acréscimo de “mentiroso’ à sua biografia. Está acabado, também. Não há mais dúvidas de que tudo foi combinado. Há a confissão do piloto, o depoimento de Symonds (que não responde às perguntas mais importantes, o que é uma admissão de culpa) e a demissão de todos pela chefia em Paris. Briatore é um escroque. Symonds, outro. Nelsinho, um fraco. O que fizeram é desprezível, vergonhoso”.

O que aconteceu no automobilismo parece, guardadas as devidas proporções, a mais simples aplicação da “lei de Gérson”, levada às últimas consequências. Para quem não sabe, a “lei de Gérson” surgiu quando o ex-jogador de futebol, que foi campeão do mundo na Copa de 1970, estrelou um comercial da marca de cigarros Vila Rica naquela mesma década. O anúncio terminava com a seguinte frase: “É preciso levar vantagem em tudo, certo?”. A partir daí, o bordão se tornou o resumo do que há de mais “malandro” no Brasil.

Neste caso da Fórmula 1, projetou-se uma vitória do companheiro de equipe de Nelsinho, o espanhol Fernando Alonso. Para isto, seria necessária uma reviravolta completa na prova, algo que fosse impensado. E por mais que os esportes de velocidade tenham o risco como característica definitiva, ninguém planeja um acidente para mudar a história de uma corrida. Bem, até o GP de Cingapura do ano passado. Piquet saiu da trajetória correta, jogou o bólido de traseira contra o muro de concreto e fez com que o carro de segurança entrasse na pista e redefinisse a prova, dando vantagens a Alonso, que acabou sendo o vencedor.

Se Nelsinho Piquet aceitou ou sugeriu bater o próprio carro, correndo riscos desnecessários, para Briatore e Symonds, pouco importa. O fundamental da história é que ela se baseia na desonestidade para benefício próprio. Tal como o problema de doping que envolveu atletas brasileiros às vésperas do Campeonato Mundial de Atletismo. Enganados (ou corrompidos) por técnicos e médico, os corredores tiveram substâncias proibidas injetadas em seus corpos. Tudo para que tivessem recuperação física mais rápida e consequente melhora de rendimento. São dois casos terríveis, que mancham o esporte mundial – e principalmente o brasileiro.

O que se fez lá (na Fórmula 1) e aqui (no atletismo) se repete, em maior ou menor escala, em todos os ramos da sociedade. É a pessoa que fura a fila deliberadamente, é o mais rico que obtém vantagens somente por seu poder aquisitivo, são aqueles que vendem descaradamente lugares em filas no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), são os políticos que empregam parentes e amigos sem se preocupar com o interesse da sociedade. E, neste momento perigoso, de quebra de valores éticos, todos precisamos nos levantar para evitar que tantos desvios de conduta sejam vistos em todos os setores de atividade. E que eles não se tornem rotina por aqui.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna