Tragédia brasileira

Sofremos, e muito, com os problemas básicos do Brasil. Muito se discutiu, no último final de semana, sobre a real importância de sediar os Jogos Olímpicos de 2016 (na sexta-feira, o Rio de Janeiro foi escolhido como sede da Olimpíada). Sim, pois é possível perguntar por que vamos gastar R$ 25 bilhões com o evento, enquanto não investimos sequer parcelas disso em educação, saúde, saneamento e segurança pública.

E a empolgação em torno da Olimpíada torna ainda mais trágica a situação escancarada semana passada. Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, contando como duas pessoas ofereceram as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por R$ 500 mil, provocou o cancelamento da prova, que estava marcada para o último final de semana. Foi tão grande o constrangimento que o ministro da Educação, Fernando Haddad, foi obrigado a explicar a situação em uma cadeia de emissoras de rádio e televisão.

O fato de duas pessoas conseguirem quebrar a inviolabilidade das provas do Enem, e conseguirem oferecer para um veículo de imprensa, já seria terrível. Mas o problema é que não se sabe como as provas apareceram nas mãos dos criminosos (que tiveram suas fotos entregues pela direção de O Estado de S. Paulo para a Polícia Federal). Como apontou um despacho da Agência Estado, publicado em O Estado: “A primeira hipótese a ser investigada pela Polícia Federal (PF), com base nos elementos preliminares levantados pelo Ministério da Educação (MEC), é a de que o vazamento da prova do Enem tenha ocorrido entre a etapa de impressão das provas, na gráfica Plural, em São Paulo, e a da distribuição dos kits por todo o País. (…) Segundo o ministro da Educação, Fernando Haddad, os primeiros elementos de prova podem estar nas fitas de vídeo que monitoram 24 horas tanto a gráfica como a sala de segurança do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em Brasília, onde está guardado o material digitalizado com os exames”. No domingo, surgiram os nomes dos suspeitos, que já teriam inclusive prestado depoimentos à Polícia Federal. Mas só porque, como citado acima, as fotos deles foram entregues pelo jornal, e depois confrontadas com todos os funcionários de todas as empresas envolvidas na história, desde a gráfica até as responsáveis pela distribuição.

É certo que a capilarização do Enem é uma porta para possíveis irregularidades. Imagine quantos locais de prova existem em todo o País, pois um número gigantesco de alunos estava se preparando para realizar o exame – que é usado como critério de escolha por centenas de instituições de ensino superior, entre elas a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e a Faculdade Evangélica do Paraná. Cursos que adotaram o exame como método de avaliação dos estudantes porque acreditavam na lisura e na competência do governo federal em promover tal evento. Ao mesmo tempo, o tamanho da confusão só faz aumentar, pois, como ficou claro, o Enem é apenas a primeira peça de um “dominó” que interessa a milhões de jovens, que têm no acesso ao ensino superior o grande sonho de uma vida melhor para eles próprios e para seus familiares. Sem a prova na data marcada, as universidades ficam sem um meio de avaliação dos vestibulandos e os alunos ficam sem saber se vão fazer o Enem ou se optarão pelas provas dos exames vestibulares que não tiveram suas datas alteradas.

E o mais incrível é que o Enem foi criado para, ao mesmo tempo em que avalia individualmente cada aluno, analisar o atual estágio de nossa educação. Até isso fica parado com o escândalo do vazamento das provas, uma típica tragédia brasileira. Quem sabe tenhamos, um dia, uma educação brasileira que não necessite de avaliações regulares.