Sepulcros caiados

A paz parece estar voltando ao Senado da República, onde os ânimos estiveram à flor da pele nas últimas sessões, arrastando para os melhores pontos da trincheira os atiradores de elite da tropa de choque do presidente José Sarney (PMDB-AP), a saber, Renan Calheiros (PMDB-AL) e Fernando Collor de Mello (PTB-AL), que dispararam a carga raivosa de seus bacamartes verbais contra os colegas Pedro Simon (PMDB-RS), Arthur Virgilio (PSDB-AM) e Tasso Jereissati (PSDB-CE), pregoeiros da renúncia de Sarney da presidência da Casa e da abertura de processos de investigação dos indícios de quebra do decoro parlamentar.

Pelo menos essa é a impressão transmitida pelos jornalistas que cobrem as atividades do Congresso Nacional, que já relatam um provável entendimento entre senadores governistas e da oposição, mediante o qual seriam abertos processos por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética, contra os senadores José Sarney e Arthur Virgilio, líder da bancada tucana no Senado. Essa teria sido a fórmula mais conveniente encontrada pelos integrantes da bancada do “deixa pra lá” e, no dizer dos jornalistas, uma espécie de senha negociada para livrar ambos os parlamentares do incômodo constrangimento, mediante um pedido consensual de arquivamento da matéria.

A essa altura, é oportuno lembrar o que pensava sobre os tais acordos celebrados em nome do consenso, o parlamentar gaúcho Alceu Colares que exerceu vários mandatos na Câmara dos Deputados e também governou o Rio Grande do Sul, sem jamais esconder a condição de trabalhista histórico. Para ele, na maioria absoluta das ocasiões em que se anunciava que as partes haviam chegado ao consenso sobre divergências políticas momentâneas, com toda certeza poder-se-ia qualificar o acerto como “grossa picaretagem”.

Pois bem, esse é o clima reinante entre os senadores imbuídos da missão de apagar o fogo que pode reduzir a cinzas os mandatos de José Sarney e Arthur Virgilio, tendo em vista o inaceitável envolvimento em desvios comportamentais que ferem a ética e o decoro parlamentar, por maior que seja a maleabilidade hoje atribuídas a esses valores pelos murmúrios entreouvidos nos desvãos da vilipendiada Casa de Rui Barbosa.

A fim de evitar que os políticos em questão sejam julgados pela inusitada capacidade de fazer vistas grossas à nomeação de parentes próximos (irmãos, netos e sobrinhos) e até do namorado de uma neta para confortáveis cabides do Senado, e o pagamento dos salários a um assessor do qual se exigiu a estafante contrapartida de passar um ano e meio em Madri (Espanha) para fazer um curso de especialização em artes teatrais, o tratamento menos traumático é destinar os processos ao tubo do esquecimento, como se fazia habitualmente no romance 1984, a genial trama futurista concebida pelo ficcionista britânico George Orwell.

O presidente do Conselho de Ética, senador Paulo Duque (PMDB-RJ), um dos inúmeros sem-voto que integram a tropa de choque de Sarney, não se afastou um milímetro do roteiro recebido do líder do partido na Casa, Renan Calheiros, remetendo ao arquivo as onze denúncias e representações contra o presidente José Sarney. A princípio, a oposição sinalizou a pretensão de invalidar a ordem de Duque por meio de recursos regimentais, tentando conquistar para a aprovação do pedido os votos dos três senadores petistas do Conselho de Ética, João Pedro (AM), Ideli Salvatti (SC) e Delcídio Amaral (MS).

Sob a ameaça da representação e abertura de processo contra o tucano Arthur Virgilio, que admitiu ser “réu confesso” ao assumir responsabilidade pessoal pelo pagamento dos salários a um servidor de seu gabinete que estava ausente do território nacional, a oposição tratou de buscar uma saída honrosa para desfazer a crise. A balança se equilibraria em pratos rigorosamente iguais com a abertura de processos contra Sarney e Virgilio no Conselho de Ética, selando-se o compromisso entre PMDB e oposição de votarem unidos na decisão de uma vez mais recorrer ao silêncio providencial do arquivo morto. Como convém a sepulcros caiados.

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