Polarização esperada

Com a desistência anunciada do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), em ser pré-candidato à presidência da República, a última pesquisa do ano do instituto Datafolha, publicada no último domingo pelo jornal Folha de S. Paulo, começou a apontar para uma polarização da disputa eleitoral em 2010 entre os nomes do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT). Em todos os cenários, os dois pré-candidatos aparecem na frente: no cenário mais favorável a Dilma, ela tem 23% contra 37% de Serra; o melhor cenário do governador aponta 40% a 26% contra a ministra, mas neste caso ele venceria no primeiro turno. Em ambas as projeções, a diferença é de catorze pontos percentuais – indicando que, como nas últimas quatro eleições, tucanos e petistas vão dividir a disputa. E, como nos pleitos anteriores, um lado se beneficia muito desta polarização.

Em 1994, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) se elegeu presidente ao se colocar claramente como o representante do Plano Real na disputa. Para tentar se afastar – e involuntariamente torcendo contra -, o PT disse que o plano econômico iria fazer água, e se postou do outro lado da batalha. O resultado foi uma vitória tranquila de FHC no primeiro turno.

A mesma coisa aconteceu em 1998, quando Fernando Henrique conseguiu a reeleição ao se colocar como o único que poderia fazer o Brasil se manter longe das intempéries da economia (o que não aconteceu), ao contrário das possíveis aventuras extravagantes do PT.

Sem a mesma popularidade dos anos anteriores, FHC acabou sendo “usado” pelos petistas na eleição presidencial seguinte, em 2002. Luiz Inácio Lula da Silva foi o vencedor pregando no adversário José Serra a pecha de “seguidor’ dos preceitos do então presidente. Para a reeleição, Lula usou argumento semelhante – afirmando que, se o tucano Geraldo Alckmin vencesse, o Brasil voltaria aos tempos das privatizações, das crises financeiras e da fome nos grotões (o presidente disse que o tucano acabaria com o Bolsa Família).

Lula é escolado em eleições. Sabe o que é interessante e sabe o que não pode ser usado. Foi assim que perdeu em 1989, quando seu hoje aliado e “amigo” Fernando Collor de Mello apelou ao inventar a história de que o petista teria pedido para sua namorada fazer aborto da filha Lurian. As derrotas seguintes moldaram o estilo de fazer campanha – e, a rigor, o estilo de fazer política, como se estivesse sempre em campanha.

E, por isso, ele deixou transparecer a alegria de ver Aécio fora da disputa presidencial. Perguntado sobre os resultados da pesquisa Datafolha, Lula abriu o jogo: “Seja com (José) Serra ou com Aécio (Neves), a estratégia montada para a Dilma vai ser a mesma. Nós queremos uma campanha polarizada, com dados comparativos dos dois governos”.

E por que o presidente quer assim? Pois é assim que ele conseguirá transferir sua popularidade para Dilma – outros candidatos de centro-esquerda, como Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva (PV), dificultam esse caminho. O único jeito da ministra-chefe da Casa Civil vencer a eleição é ficar completamente atrelada a Lula, pois sua trajetória política não comove as multidões – e se a disputa ficar na competência técnica, Serra leva vantagem por ser mais conhecido.

E essa “fama” pode atrapalhar o governador paulista em uma eleição polarizada. Como o presidente afirmou, o rótulo de “neoliberal” será pregado de novo no candidato tucano, que terá dificuldade em sair do estigma de seguidor de FHC por ter sido ministro da Saúde e do Planejamento. É aí que o favoritismo de José Serra – que, convenhamos, continua – pode sofrer algum abalo durante a campanha presidencial.