O Partido dos Trabalhadores (PT) ainda não conseguiu se recuperar inteiramente dos achaques deixados pelos estilhaços do escândalo do mensalão. Numa emblemática exposição dos males internos, integrantes da agremiação contemplam sem esconder o sentimento de frustração o ex-tesoureiro Delúbio Soares distribuindo a deputados federais e senadores, os exemplares da revista que mandou imprimir com a finalidade de assoalhar o retorno ao partido.

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Não bastasse o passa-moleque, o senador Aloizio Mercadante (SP), líder da bancada na Casa, foi abertamente desautorizado pela executiva nacional e não conseguiu fazer com que os representantes do partido no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar votassem de acordo com sua orientação. Para apimentar um pouco mais o sarapatel, a senadora Marina Silva (AC), ex-ministra do Meio Ambiente, entregou carta de desfiliação ao deputado Ricardo Berzoini (SP), presidente nacional da legenda, atitude também anunciada pelo senador paranaense Flávio Arns.

A saia justa de Mercadante veio com a decisão do arquivamento sumário das acusações contra o senador José Sarney (PMDB-AP), com a adesão dos petistas João Pedro (AM), Ideli Salvatti (SC) e Delcídio Amaral (MS), que de acordo com o líder da bancada “votaram constrangidos”, premidos pela posição partidária. Mercadante trabalhava no sentido de sustentar a abertura de pelo menos um dos onze processos pretendidos pela oposição contra o presidente do Senado, mas foi sobrepujado pela decisão da executiva nacional consubstanciada em nota oficial assinada pelo deputado Ricardo Berzoni e lida pelo senador João Pedro.

Mercadante transmitiu a disposição de não abandonar a liderança do PT no Senado (até quando?), a fim de evitar a agravamento da crise interna, mas não explicou se terá ou não de volta a credibilidade e a força moral imprescindíveis para seguir à frente de uma bancada confundida pelas inúmeras vozes de comando.

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Na conveniência ensaiada imposta pelo presidente nacional do PT, aconselha-se a não ignorar que a crise vivida pelo Senado “é alimentada pela disputa política relacionadas às eleições de 2010”. A nota identificou manobras insidiosas na forma como as denúncias se concentram na pessoa do presidente do Senado, assinalando que “mais que apurar e reformar, a pretensão é incidir nas relações entre partidos que apoiam o governo ou que podem constituir alianças para as eleições nacionais e estaduais no próximo ano”.

A amarga realidade que o PT não consegue esconder e cumpre o decepcionante papel de admitir nas entrelinhas da nota oficial rabiscada sob a ameaça de implosão da falange de oportunistas mesmerizados pelas facilidades oferecidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é que a aprovação de processos contra Sarney foi despudoradamente transformada no código da retirada imediata do apoio do PMDB à eventual candidatura da ministra Dilma Rousseff à presidência da República.

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Diante do choque e alegando que em todas as reuniões da bancada ficou deliberado o consenso pelo afastamento de Sarney, o senador Flávio Arns declarou-se “envergonhado” com o comportamento ambíguo de seus colegas ao votarem no Conselho de Ética. “As pessoas às vezes me perguntam se eu estou nervoso, ou aborrecido. Eu digo que não estou nem nervoso, nem triste, nem aborrecido: eu estou envergonhado, que é muito mais forte e difícil de ser dito, mas é o que a gente tem de sentir nessa hora”, confessou. Arns acrescentou que pretende entrar na Justiça para pleitear o desligamento da legenda, antevendo a criação de jurisprudência na consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na qual vai explicitar o objetivo de deixar o partido por divergências ideológicas: “Que a Justiça possa analisar no sentido de que a fidelidade tem que ser do parlamentar com o partido, sem dúvida alguma, mas também do partido com seu ideário”. O PT, a cada dia, está mais pobre.