Os talibãs da Uniban

Um assunto que parecia corriqueiro e sensacionalista teve um desfecho aterrador no fim da semana que passou – e uma reviravolta na segunda. No sábado, a Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban) decidiu expulsar a jovem Geisy Arruda, de 20 anos, do seu quadro de estudantes.

A triste história, tipicamente brasileira, começou quando Geisy foi criticada por outros alunos pelo uso de trajes, na visão deles, “impróprios” para a convivência em uma instituição de ensino. Há três semanas, a jovem foi para a aula no campus de São Bernardo do Campo com uma roupa curta e foi hostilizada pelos colegas, tendo que sair escoltada pela Polícia Militar.

A partir daí, Geisy foi “adotada” pelos programas de televisão que têm na audiência o único interesse. Foi assunto dominante na renhida luta por Ibope nos domingos, passou pelos programas de Sônia Abrão, Geraldo Luís, Luciana Gimenez e afins, e virou matéria principal do Fantástico, da Rede Globo. A mídia estava pouco interessada se a jovem queria estudar ou não, se ela tinha motivos para ser tão hostilizada, se ela estava com vergonha ou triste pela situação. Queria era expor sua história e ganhar alguns pontinhos com ela. Conseguiu, à custa da presença quase ostensiva de Geisy em todos os horários.

Quando se imaginava que a história tinha dado o que falar por demais (e a jovem já se decidira por voltar às aulas), surgiu o fato novo. A Uniban divulgou a seguinte nota oficial: “(…) Foi apurado que a aluna tem frequentado as dependências da unidade em trajes inadequados, indicando uma postura incompatível com o ambiente da universidade, e, apesar de alertada, não modificou seu comportamento. A sindicância apurou que, no dia da ocorrência dos fatos, a aluna fez um percurso maior que o habitual aumentando sua exposição e ensejando, de forma, explícita, os apelos dos alunos que se manifestavam em relação à sua postura, chegando, inclusive, a posar para fotos. (…) Diante de todos os fatos apurados pela comissão de sindicância, o Conselho Superior, amparado pelo relatório apresentado e nos termos do Regimento Interno, decidiu, com base no Capítulo IV Regime Disciplinar, artigos 215 e seguintes, desligar a aluna Geisy Villa Nova Arruda do quadro discente da Instituição, em razão do flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade”.

A ação da Uniban provocou imediata repercussão, toda ela negativa para a instituição -tanto que, no final da tarde de segunda-feira, a universidade recuou da expulsão.

Mas não se pode esconder que surgiu uma espécie de “órgão de segurança”, um pós-SNI para investigar se Geisy demorou mais ou menos tempo para ir ao banheiro ou para subir a rampa. E foi baseado em quem? Nos jovens que queriam agredi-la? Nos monitores contratados da instituição? Será que a jovem foi ouvida – e, se ouvida, será que suas explicações foram levadas em conta?

A reação da sociedade trouxe um alento: ao menos, ainda não se eliminou a chama democrática. Podemos até dizer que Geisy exagerou nos trajes, mas de forma alguma isto pode desencadear uma onda de ira recalcada de estudantes, professores e principalmente de uma instituição. Quem somos nós para julgar como uma pessoa se veste?

Chegamos a uma situação que pensávamos ter sido expurgada da nossa sociedade – a inquisição. Garotos e garotas do ensino superior, até certo tempo a vanguarda do nosso pensamento, agora se tornam verdadeiros talibãs, que não permitem que qualquer coisa que irrite seus olhos revolucionários (ou seriam “bolivarianos”?). Agora, se uma jovem andar de minissaia, será agredida em praça pública? Será que meninos podem usar cabelos compridos por lá? Certamente, não seria na Uniban que Betty Friedan arranjaria apoio para um movimento feminista.