Nossos vizinhos uruguaios foram às urnas no domingo. Promoveram grande espetáculo democrático, uma vitória para nosso continente. E, com o mesmo estilo de eleição que o Brasil, eles vão para o segundo turno. De um lado, o vencedor da primeira parte, o ex-guerrilheiro José “Pepe” Mujica, liderando uma grande aliança que envolve, inclusive, o popular presidente Tabaré Vázquez. De outro, o ex-presidente Luis Alberto Lacalle, que tem boa parte da centro-direita do Uruguai.

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Os projetos e propósitos estão resumidos no despacho da Agência Estado, publicado na edição de ontem de O Estado: “Ex-guerrilheiro na época da ditadura uruguaia, Mujica canditou-se pela Frente Ampla, coalizão de centro-esquerda do atual presidente, Tabaré Vázquez. Lacalle tem uma missão difícil pela frente, pois precisa obter quase todos os votos de Pedro Bordaberry e é prejudicado pela alta popularidade do atual presidente, na casa dos 60%. Mujica prometeu lutar por todos os 3,4 milhões de uruguaios, insistindo que a nação pode se tornar uma espécie de Finlândia, com uma economia diversificada capaz de criar bons empregos e também de garantir direitos aos mais pobres. Lacalle quer reduzir impostos e promete reduzir o tamanho do Estado. Também se posiciona como uma opção mais aberta ao diálogo, já que Mujica em alguns momentos deu declarações intempestivas”.

São, portanto, dois perfis bem diferentes. “Pepe” Mujica é um daqueles fenômenos tipicamente sul-americanos. Guerrilheiro – e dos grandes – quando o Uruguai vivia uma sanguinária ditadura, o hoje candidato favorito estava com os Tupamaros, que adotavam a tática do “olho por olho, dente por dente” (quer dizer: a cada combatente morto, um agente de segurança assassinado). O grupo conquistou as maiores vitórias de uma guerrilha política na história moderna do planeta. Ao mesmo tempo, foi alvo de uma brutal repressão do governo.

Quando a democracia foi retomada no Uruguai, com a ascensão de Julio María Sanguinetti à presidência do país vizinho, Mujica começou seu longo caminho até chegar à coalizão de centro-esquerda que lidera. Hoje, com visual de avô amoroso, ele ainda carrega alguns ressentimentos da época, tanto que vez por outra chuta a diplomacia e carrega no discurso.

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Contra ele, o quase apagado Lacalle, que muitos sequer lembram que foi presidente uruguaio. Ele comandou o país entre os dois mandatos do mitológico Sanguinetti, e passou despercebido ante colegas personalistas como Fernando Collor de Mello, Alberto Fujimori e Carlos Menem, por exemplo. Seu problema é ter um discurso que não comove mais as classes trabalhadoras – e, para piorar, contar com a transferência de votos do candidato derrotado Pedro Bordaberry, filho do estancieiro Juan María Bordaberry, presidente constitucional do período ditatorial.

Mujica é o favorito. É um candidato popular, com a chamada “história de vida” e com apoios de porte, como o de Tabaré Vázquez – e de fora, como o apoio tácito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje uma “eminência parda” da América Latina. Vencerá a eleição em 29 de novembro, e comandará um país em crise existencial e econômica. Um país que possui uma população de idade média avançada, que sofre com o êxodo dos jovens para outros países e com a escassez de recursos naturais.

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E é isso que faz a retórica de “Pepe” Mujica animar a população uruguaia. Prometer a criação de 200 mil empregos, criar um banco de investimentos e diminuir a distância entre ricos e pobres soa como música para os mais necessitados. E que ele, quando presidente, não queira aproveitar o estilo histriônico de Hugo Chávez e seus amigos – que use o exemplo de Lula, que teve na concórdia o meio de atingir o sucesso.