O passar do tempo

Domingo, completou-se o vigésimo aniversário da primeira eleição presidencial direta depois do período autoritário. O pleito de 1989 foi carregado de emoção e ideologias, com nomes que estão na história da política brasileira, e que levou Fernando Collor de Mello (então no PRN) ao Palácio do Planalto. Passado tanto tempo, é surpreendente ver que os principais nomes daquela festa democrática, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello e José Sarney, estão unidos – sendo que, há vinte anos, eram os mais ferrenhos inimigos.

É importante lembrar duas características daquela eleição, antes de qualquer análise. A primeira já foi citada acima, a intensa participação de nomes importantes da história da política do Brasil. Foram candidatos (a presidente ou a vice) no pleito de 1989 personalidades como Ulysses Guimarães (PMDB), Waldir Pires (PMDB), Leonel Brizola (PDT), Aureliano Chaves (PFL), Mário Covas (PSDB), Roberto Magalhães (PSDB), Paulo Maluf (PDS), Guilherme Afif Domingos (PL), Affonso Camargo (PTB), Roberto Freire (PCB), Fernando Gabeira (PV), Ronaldo Caiado (PSD) e até Enéas Camargo (PRONA) – além, claro, de Collor e Lula (PT).

A outra foi a intervenção desastrada do empresário e apresentador de televisão Sílvio Santos, que foi abordado por parte do PFL e saiu candidato com o apoio do então presidente José Sarney. Mas, seu nome foi impugnado – antes que criasse uma situação absurda, pois seu nome não estaria nas cédulas, e quem optasse pelo inusitado candidato teria que votar no desconhecido Armando Corrêa, do PMB. Muito estranho. Chega a beirar o absurdo. Porém, o fato produziu efeitos. Analistas garantem que a entrada de Sílvio Santos mudou o panorama da eleição, interrompendo o avanço de Covas e Afif e dificultando a vida de Brizola – e levando Collor a enfrentar Lula no segundo turno.

E aí estão nossos personagens. Em 1989, Lula e Collor se engalfinharam durante meses. No segundo turno, a luta foi renhida, com toques de grosseria, com a invenção de um aborto da ex-namorada de Lula Miriam Cordeiro, promovida pelos “colloridos” e que ajudou a decidir a eleição. Também houve o histórico debate transmitido em “pool” pelas emissoras de televisão, do qual saiu uma edição no Jornal Nacional que favoreceu decisivamente Collor, a apenas dois dias da eleição.

Ambos odiavam José Sarney. O então presidente era chamado de, no mínimo, “filhote da ditadura”, adjetivo que Lula dava a ele e a Collor. Já, o ex-governador de Alagoas e hoje senador pelo PTB, autointitulado “caçador de marajás”, dizia que Sarney era corrupto. Hoje eles estão todos juntos, abraçados em palanques e defendendo seus deslizes – antigos e atuais.

Como apontou um despacho da Agência Globo, destaque da edição de domingo de O Estado: “As declarações de cada um para justificar a repentina amizade se baseiam na alegação de que todos foram alvo de campanhas difamatórias e injustiças. Outra argumentação é que não foram eles que mudaram, mas o tempo e a política. De forma reservada, interlocutores de Lula dizem o que mais mudou nessas duas décadas: o pragmatismo e a necessidade de governabilidade. A relação de Lula com Sarney foi construída de forma gradual e, aparentemente, sem grandes traumas. Em 2002, o atual presidente do Senado apoiou a eleição de Lula. Mas a aproximação de Lula com Collor foi um processo mais lento e “difícil” para o presidente, segundo relato de Lula a um interlocutor”.

Foi difícil, mas Lula conseguiu, para surpresa de seus antigos correligionários – e tristeza de muitos que lutaram ao lado do presidente para chegar ao poder. Estes foram ficando pelo caminho, criando outras legendas (como o PSOL) e se afastando do PT. O partido que prezava a ética na política optou pelo fisiologismo. E preferiu ficar perto do “corrupto” e do “caçador de maracujás”, os mesmos que impediram a vitória de Lula há vinte anos.