O outono do patriarca

O velho José Sarney (PMDB) foi conduzido ontem à presidência do Senado pela quarta vez. Ninguém resiste à tentação de fazer uma pergunta impertinente: não há ninguém mais qualificado, mais jovem e sobre quem não pesa tantas acusações para presidir aquela Casa? Se fizerem esta pergunta num ambiente dominado pelos seus afilhados, certamente o impertinente vai enfrentar expressões austeras.

Sarney disse que esta é a última vez que preside o Senado. Talvez seja mais pela idade, passou dos oitenta, que pela sua palavra. Outras vezes disse a mesma coisa. E não cumpriu. O velho patriarca do Maranhão, que se refugiou eleitoralmente no Amapá, depois de ser presidente da República, é um dos exemplos mais longevos da história recente da República. Um sobrevivente.

Sarney foi governador de seu estado no começo do regime militar, nos anos sessenta, e conviveu com todos os generais-ditadores, na condição de fiel colaborador. Sarney é um camaleão tão hábil que, na virada do regime militar para a democracia, ele apareceu de vice de Tancredo Neves, que morreu antes de assumir e quem assumiu foi o vice. José Sarney. O seu governo foi uma sucessão de descalabros. E terminou em hiperinflação. Um caos que não abalou o patriarca.

Depois daqueles cinco anos tumultuados, pensava-se que Sarney estivesse acabado. Mas ele sabia sobreviver na selva mais terrível do Brasil, a selva da política brasileira, em Brasília. Exilado no Amapá, onde ganhou sucessivos mandatos de senador depois de deixar a presidência da República, Sarney ainda controlava – e controla – o pobre Maranhão, que sob o seu comando, nunca deixou de ser pobre. Fosse através de sua presença pessoal, de sua filha Roseana Sarney ou de algum afilhado.

Sarney sobreviveu aos presidentes Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso e teve a genialidade de ser um dos primeiros a dar apoio irrestrito ao recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva, quando muitos viraram as costas e apostavam no fracasso de um tosco metalúrgico de São Bernardo do Campo. Ninguém apostava um dólar furado que Lula pudesse ter a menor chance de sucesso.

Mais uma vez a sorte sorriu para o velho patriarca do Maranhão. Lula enfrentou uma aguda crise nos primeiros quatro anos de seu mandato, uma crise em que Sarney manteve-se fiel ao presidente eleito pelo PT. Lula deu certo, disparou em popularidade e não esqueceu Sarney. Nem quanto o mundo parecia cair sobre a cabeça de Sarney. Lula foi um dos que levou o PT a recuar de seus pudores éticos e tirar a cabeça de Sarney da guilhotina. Acusado de corrupção, sobreviveu mais uma vez.

Uma longa sobrevivência. E a pergunta que se faz, agora, é: o que o Brasil ganhou com a longevidade política de Sarney? O que ganhou com todos os seus anos controlando labirintos e corredores em Brasília? Nada. Porque o velho patriarca agiu como aqueles velhos coronéis do Nordeste, pensando na nação como uma velha fazenda, subordinada ao Sol e ao tempo, resistindo aos ventos da modernidade se estes contrariassem os seus interesses.

O patriarca está em seu outono. É um dos últimos coronéis do Nordeste, refugiado na Amazônia. Confessa aos mais íntimos que o peso dos anos verga o seu corpo, turva a sua mente, atabalhoa o seu raciocínio, deixa lento seu movimento, mas não interfere na sede quase atávica pelo poder. Sabe que o tempo encurta. E, talvez, agora, sabe, que não deixou grande legado. A não ser mais uma história digna de figurar num romance de Gabriel Garcia Marquez.

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