De uma hora para outra, um problema “do estrangeiro” virou uma crise diplomática poucas vezes vista nos últimos anos. Deposto do cargo, o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, resolveu voltar ao país da América Central e acabou se abrigando na embaixada do Brasil na capital Tegucigalpa. Em menos de 48 horas, houve várias manifestações repelidas pela polícia comandada pelos golpistas, acusações e contra-acusações entre o governo hondurenho de fato e o Itamaraty e um constrangimento danado para o Brasil.

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Sim, porque recebeu um “mico”, na acepção popular da palavra. Zelaya é procurado pelos golpistas, ora no poder, para ser preso e, nas palavras do presidente Roberto Micheletti, “pagar na Justiça pelos crimes que cometeu”. No olho do furacão, o Brasil precisa agir sem agir – não pode atirar Zelaya às feras, não pode ficar parado. Vai fazer o quê?

É preciso dizer que o posto de presidente de Honduras é de Manuel Zelaya. Ele foi eleito, estava no decorrer de seu mandato e foi deposto por um golpe militar. Acima de qualquer explicação que vá dar Micheletti, nada suplanta o regime democrático, nada justifica a ação extrema dos militares hondurenhos. Zelaya tem que voltar a seu cargo, e é isso que a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) exige de Honduras.

Ao mesmo tempo, sabe-se que Zelaya tencionava atropelar a Constituição e promover uma reforma que permitisse sua perpetuação no cargo – mecanismo adotado na Venezuela de Hugo Chávez e exportado para a Bolívia de Evo Morales, o Equador de Rafael Correa e também a Colômbia de Álvaro Uribe. O presidente hondurenho de direito é um notório populista, adorador do estilo bolivariano de Chávez (que, por sinal, tem muitos adeptos por aqui, no Paraná).

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Mesmo assim, ele não pode ser deposto. Se Manuel Zelaya queria mudar a Constituição, teria que fazer as reformas pelo Congresso ou pedir um referendo. Das duas maneiras, a população seria consultada – diretamente ou através de seus representantes. Aprovada, teria respaldo político, popular e jurídico, e contra ela nada se poderia fazer. Reprovada, da mesma forma, e Zelaya teria que aceitar o jogo e ceder o cargo para outro após as eleições gerais. É assim que se forma uma democracia, situação ainda nova em muitos países da América Central.

O Brasil, desde o início do imbróglio, comportou-se bem. Ao lado dos Estados Unidos, liderou uma campanha de pressão contra os militares de Honduras, pedindo que reconsiderassem e reconduzissem Zelaya ao poder. Agiu como referencial democrático do continente, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrando de novo ser diferente de Chávez e seus companheiros, que já queriam colocar mais gasolina no incêndio. Até porque Lula pode falar de democracia: ele foi candidato quatro vezes antes de ser eleito presidente, foi reeleito seguindo as regras do jogo e não permitiu que prosperassem ideias de um terceiro mandato; encerrará sua passagem pela presidência em 1.º de janeiro de 2011 e já será o favorito para o pleito de 2014.

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Lula e o governo brasileiro faziam tudo certo. Mas aí Zelaya apareceu na embaixada do Brasil em Tegucigalpa. A confusão caiu no colo do chanceler Celso Amorim. E agora vai se fazer o quê? Qualquer decisão que o País tomar será criticada. E a demora em agir pode ser terrível, pois o governo golpista não medirá esforços para prender o presidente de direito de Honduras. O ideal seria ver a mobilização internacional, vinda da Assembleia Geral da ONU, forçar Micheletti e seus generais a desistirem do golpe e acabarem com a crise. Mas está é uma torcida para uma situação perfeita, o que pouco se vê em crises políticas.