Mais para o mínimo

A relação entre Poder Executivo e Poder Legislativo já estava estremecida. Agora pode piorar. Uma desavença por cargos no governo federal coordenada pelo PMDB do vice-presidente da República e presidente licenciado do partido, Michel Temer, com o PT da presidente Dilma Rousseff vem motivando ameaças de boicote de parlamentares nas votações de matérias de interesse do Palácio do Planalto. Insuflados por peemedebistas descontentes com a pequena fatia que receberam da nova gestão, os congressistas planejam tumultuar a eleição para presidente da Câmara dos Deputados e pretendem propor um reajuste maior para o salário mínimo, que vai além do estabelecido nos últimos dias de 2010 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva através de Medida Provisória. As bases para 2011 foram fixadas na época em R$ 540,00.

Fazendo o jogo das centrais sindicais e com a clara intenção de pressionar a nova chefe do Executivo federal, alguns membros do Congresso Nacional passaram a defender que o valor deveria ficar em R$ 580,00. A guerra estava declarada. Agindo de modo responsável, Dilma e sua equipe econômica não engoliram a atitude daqueles que eram considerados aliados. O salário mínimo seguiu dentro do limite fixado por Lula com referência a cálculos feitos em novembro passado. A real intenção do PMDB e dos seus foi exposta: ao invés de se preocupar com o benefício concedido aos trabalhadores, o foco estava na conquista de mais espaço.

Agora, a discussão ganha novos contornos, pois, apesar de não ter sido debatido na reunião ministerial realizada na última sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o valor do salário mínimo deverá ficar em R$ 545,00, modificado em R$ 5,00 pela correção com base na inflação de dezembro. O governo fez a mudança porque o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) fechou 2010 maior que o previsto em novembro pela gestão passada. A fórmula de reajuste do mínimo estabelece a reposição pelo INPC do ano anterior mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores. Não há como fazer milagre. A fórmula ordena o que deve e o pode ser feito. Então, os interesseiros de plantão só querem jogar com a opinião pública para conquistarem vantagens individuais.

O governo federal ainda foi além do permitido. Segundo o ministro, o valor ficaria em R$ 543,00, mas foi arredondado para R$ 545,00 para facilitar o saque nos caixas eletrônicos. O aumento terá impacto de R$ 1,4 bilhão nas contas públicas este ano e valerá a partir do dia 1.º de fevereiro.

A mudança do valor vai alimentar mais discussões em torno do tema nos próximos dias. Os parlamentares vão utilizar a recente alteração em favor de sua causa e para tentar dobrar Dilma a ceder aos caprichos peemedebistas. O melhor é que o PMDB trabalhe com a possibilidade maior de derrota em seu pleito. A presidente tem dado forte demonstrações de que sabe lidar com firmeza com questões relacionadas à sua gestão. Age como quem não aceita tratar com atos de politicagem explícita e atua nas sombras para tentar desestabilizar um governo que está apenas começando.

Caso estivessem realmente interessados em discutir os problemas da sociedade, PMDB, peemedebistas e demais envolvidos no imbróglio do aumento do salário mínimo colocariam em pauta os números e estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que apontam que o piso do trabalhador brasileiro deveria ser de R$ 2.227,53. O valor, que leva em consideração o custo da cesta básica de alimentos em dezembro, é o mínimo necessário para atender às considerações presentes na Constituição Federal no que se refere à alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência. Esse seria um embate sério e merecedor de respeito.