Lei é ordem

No Brasil virou costume não respeitar ou burlar as leis. É prática corrente dos brasileiros dar o famoso jeitinho para não respeitar o que tem a força de norma jurídica. Tudo em nome da conquista de vantagens pessoais e facilitações para realizar as tarefas do dia a dia. Chega-se ao absurdo de classificar o que deveria ser encarado como um mandamento como “leis que não pegam”, para justificar condutas irregulares. Não importa que, por muitas vezes, os legisladores trabalhem para atender interesses pessoais, de grupos específicos ou apenas para conquistar espaços generosos na mídia. O que mais vale é respeitar o sistema jurídico em vigor. Depois de proposta, analisada, votada, aprovada e sancionada, a lei deve ser cumprida.

O pior é quando a transgressão legal parte de quem deveria dar o exemplo. Fica a imagem para a sociedade de que leis servem mesmo para serem rasgadas e pisoteadas. O caso da emissão de passaportes diplomáticos é emblemático. O decreto 5.978 de 2006 regulamenta a concessão do documento e prevê que o passaporte vermelho pode ser oferecido a presidentes, vices-presidentes, ministros de Estado, parlamentares, chefes de missões diplomáticas, funcionários da carreira diplomática, ministros dos tribunais superiores, procurador-geral da República, subprocuradores-gerais, ex-presidentes e seus dependentes, que são os filhos de até 21 anos ou até 24 anos no caso de estudantes ou, ainda, aqueles portadores de necessidades especiais. A regra é clara por demais. Não pode ser desobedecida. Pelo menos, não deveria ser desobedecida.

E não é que no apagar das luzes da sua gestão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mancha seu altíssimo índice de popularidade agindo como um fora da lei, usando de sua influência para conceder um benefício a quem não poderia recebê-lo. Três netos e cinco filhos do ex-chefe do Poder Executivo federal – Marcos Cláudio Lula da Silva, Luís Cláudio Lula da Silva, Fábio Luís Lula da Silva, Sandro Luís Lula da Silva e Lurian Cordeiro Lula da Silva – receberam o passaporte. Todos os citados não preenchem os requisitos dispostos no citado decreto. Portando, não é correto que sejam agraciados com a documentação especial.

O duro é descobrir que Lula apenas encabeça a lista de infratores. Parlamentares, ministros, dirigentes partidários e até o vice-presidente Michel Temer presentearam os familiares com o passaporte diplomático para que eles exercitassem o ócio em viagens de turismo. O documento é para ser usado em missões oficiais, ou seja, a trabalho e não a lazer. Mas cobrar que os homens públicos brasileiros tenham vergonha na cara é como arar o mar.

Agora, em conjunto com o Ministério Público Federal, que requereu a anulação do benefício, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quer a lista com os nomes de todas as pessoas que tiveram passaportes diplomáticos concedidos no período de 2006 a 2010. O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, também encaminhou ofício à presidente Dilma Rousseff pedindo providências para acabar com a prática da concessão indiscriminada do documento especial pelo Itamaraty. Tais iniciativas são louváveis e buscam restabelecer a ordem e a moral.

Os princípios da administração pública previstos na Constituição Federal, em seu artigo 37, não podem sair da mente dos servidores públicos e de todos aqueles que, mesmo de forma transitória, ocupam cargos na estrutura dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência não se abre mão. O poder público deve trabalhar em prol do bem comum e não para satisfazer interesses individuais. Que o decreto que regulamenta a emissão dos passaportes diplomáticos seja respeitado e não violentado por políticos inescrupulosos!

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