O mundo gira e Manuel Zelaya não sai do lugar. O presidente deposto de Honduras continua abrigado na embaixada brasileira na capital Tegucigalpa, sem qualquer tipo de aproximação para uma saída negociada na crise institucional que ronda o país da América Central. Nem ele, nem o líder golpista Roberto Micheletti acenam com qualquer possibilidade de acordo, deixando as nações democráticas preocupadas. E o Brasil em uma “sinuca de bico” ainda maior do que já estava.

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Micheletti começou a apelar nos últimos dias. Chegou a fechar emissoras de rádio e televisão que se manifestavam pela volta de Zelaya ao poder. Atitude totalmente lamentável para um cidadão que se posicionou como representante de um grupo que queria evitar a ditadura em Honduras (o interessante é que os mesmos que, por toda a América Latina, reclamam com razão das ações do governo hondurenho de fato, não falam uma vírgula sobre a ação criminosa de Hugo Chávez e seus colegas Evo Morales e Rafael Correa contra a imprensa da Venezuela, da Bolívia e do Equador).

Os líderes golpistas estão deixando claro que não pretendem abrir mão do afastamento de Zelaya. Da mesma forma, o presidente derrubado não aceita nenhum acordo que não o conduza imediatamente à presidência. No meio do impasse, está o Brasil, pois foi no prédio da embaixada brasileira que o político aportou semana passada, sem que se soubesse como chegou, e por que escolheu a representação diplomática do País – se tem em Hugo Chávez o seu mais fiel apoiador.

Claro que ele escolheu o Brasil porque sabe da importância do País na consolidação da unidade americana – papel que dividimos com os Estados Unidos. E, claro, porque sabia que podia contar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sequer reconheceu Roberto Micheletti como líder legítimo – o que, por sinal, ele não é. A situação é tensa e complicada, e caberá ao Brasil o papel de mediador desta história. Até porque nossos diplomatas e políticos têm, dentro da própria casa, exemplos que podem servir como ajuda em uma negociação.

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O mais claro deles é a crise de 1961, quando da renúncia do presidente Jânio Quadros. O vice, João Goulart, estava virtualmente impedido de assumir por conta de um veto dos ministros militares (Grün Moss, da Aeronáutica, Silvio Heck, da Marinha, e Odílio Denys, da Guerra). Graças à força da “Rede da Legalidade”, os militares não conseguiram manter a proibição. Mas foi a ação política e diplomática liderada por Tancredo Neves que chegou a uma solução que acalmou os ânimos e permitiu a posse de Jango – uma emenda que instituía o parlamentarismo foi aprovada no Congresso Nacional e, assim, o Brasil teve por quase dois anos um presidente e um primeiro-ministro (até a vitória do presidencialismo no plebiscito de 1963).

Talvez o final não seja igual, mas as conversas e as ponderações precisam ser aceleradas. Não se chegará a evolução nenhuma com a aridez de espírito de Manuel Zelaya e Roberto Micheletti – e de seus correligionários. Da forma como lidam com o caso, parecem estar mais interessados com a deflagração de uma guerra civil do que evitarem um banho de sangue nas cidades de Honduras. Que ambos os lados cedam e que se chegue a uma decisão que agrade o mínimo possível os dois lados – o ideal seria a volta de Zelaya à presidência com a marcação imediata de eleições gerais.

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Enquanto não há decisões, o Brasil continua com o hóspede indesejado. Por mais que tenha direitos, e tenha razão em suas reclamatórias, Manuel Zelaya é um grande incômodo para o Brasil. Permite que se faça a perigosa associação de uma participação brasileira no retorno e nas articulações do presidente deposto em Honduras. O que seria uma ingerência inaceitável, e uma intromissão descabida, além de totalmente prejudicial à nossa diplomacia.