Honestidade à prova

Não há nada mais emblemático que o futebol para o brasileiro. Se pudéssemos reduzir nosso País a um único evento, seria uma partida de futebol, com seus noventa minutos de emoção. Daí toda a celeuma das últimas semanas, quando as equipes lutavam pelo título e pela fuga do rebaixamento. Transferiu-se para o campo a discussão da política.

No mesmo período em que o Brasil se estarrecia com as descobertas do Distrito Federal, onde se guarda dinheiro na meia, na cueca e se agradece a Deus pela existência da propina, mesmo quem não gosta de futebol era bombardeado com a dúvida da “entrega” ou não do Grêmio para o Flamengo no jogo realizado no dia 6.

Hoje já se sabe o resultado: o Flamengo venceu o jogo por 2×1, de virada, e conquistou seu sexto título brasileiro. O Grêmio foi forte, chegou a sair na frente, mas acabou derrotado. O Internacional fez a parte dele, vencendo o Santo André, mas não adiantou.

Mas até o jogo, a discussão era efervescente. A situação do time gaúcho era peculiar: jogar com seriedade e complicar o jogo para o Flamengo, beneficiando seu maior rival, o Internacional? Ou deixar a bola rolar, não ter vontade e permitir uma fácil vitória do rubro-negro carioca, sendo acusado de “amolecer” o resultado?

A torcida tinha se manifestado com clareza – a imensa maioria dos gremistas queria ver seu time ser derrotado no Maracanã. E não simplesmente queria a derrota; queria realmente entregar a partida para evitar qualquer possibilidade do colorado gaúcho conquistar o título brasileiro.

Era, portanto, o interesse pleno em um escândalo para que o simples desejo do torcedor se concretizasse. Tudo que os torcedores mais rejeitam no esporte, que é a falta de empenho, era pedido pelos gremistas para seus atletas. Não interessaria o fato de um clube ser enxovalhado, o importante era que o rival não fosse campeão.

Quando permitimos que os desvios de conduta aconteçam no futebol – não só o de entregar uma partida, como também o detestável artifício da “mala branca”, o dinheiro enviado para um clube ganhar um jogo, ou mesmo o uso de substâncias dopantes, como aconteceu no atletismo -, como vamos reclamar que os políticos burlam a lei para embolsar o dinheiro público? São problemas éticos semelhantes, claro que com destinos e consequências diferentes.

E aí está a crise brasileira, a crise de responsabilidade. Somos críticos quando os outros falham. Quando o erro é nosso, deixamos passar e dizemos que foi “uma pequena falha”. Sempre arranjamos alguma justificativa, como os panetones do governador de Brasília, José Roberto Arruda (ex-DEM e hoje sem partido). É como a série de justificativas dadas pelo ex-deputado Luiz Fernando Ribas Carli Filho e seus advogados quando do acidente que matou dois jovens em Curitiba – e que vai a julgamento em janeiro.

Não é porque é o futebol que temos que permitir desvios de caráter. O esporte precisa ser tão sério quanto a política e a economia. Como bem lembraram analistas econômicos quando do sorteio dos grupos da Copa do Mundo, o futebol é o principal evento da indústria do entretenimento. A movimentação financeira é brutal, e por isso é necessária a lisura de todos os seus protagonistas.

No grande e representativo mundo que é o futebol para os brasileiros, a exigência ética é tão grande e tão importante quanto na política. Jogadores e dirigentes são exemplos para a sociedade, são referenciais – tanto para o lado bom, quanto para o lado ruim. Se falhamos no esporte, temos poucos exemplos a dar para os mais jovens. Por sinal, exemplos de responsabilidade e ética estão em falta por aqui.