Sob o impacto do desemprego quebrando o recorde de 5,7% em julho e um processo de deflação em marcha batida, os eleitores japoneses infligiram acachapante derrota ao Partido Liberal Democrático (PLD), levando os analistas internacionais a vaticinar o fim de um ciclo de governo iniciado após a II Guerra Mundial, em que o cargo de primeiro-ministro sempre foi exercido por políticos pertencentes à facção dos liberais-democratas. A agremiação oposicionista de centro-esquerda, Partido Democrático do Japão (PDJ), conquistou no domingo uma vitória arrasadora sobre a situação, acumulando poucas horas antes do encerramento da apuração a folgada maioria de 306 cadeiras na Dieta (câmara dos deputados) contra 119 do PLD, invertendo a correlação de forças até agora existente.

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O novo primeiro-ministro japonês será Yukio Hatoyama, presidente do PDJ, em substituição a Taro Aso, líder dos liberais que reconheceu a derrota e anunciou a renúncia à presidência do partido, admitindo que “a eleição mostrou a insatisfação das pessoas”. Especialistas reafirmam que a vitória histórica da oposição abre a probabilidade do afastamento definitivo de um sistema solidificado pelo conjunto de forças assegurado pela coalizão adequadamente denominada de “triângulo de ferro”, estribada no domínio político do PLD, na poderosa burocracia estatal e no empresariado. Contudo, há quem duvide que o novo primeiro-ministro tenha capacidade de transformar em políticas práticas os objetivos apresentados ao longo da campanha, ainda mais que o novo governo a ser formado terá pouquíssima experiência administrativa.

Yukio Hatoyama é um político de 62 anos descendente de uma família que já produziu um presidente da Dieta, um primeiro-ministro e um ministro de Relações Exteriores nas três gerações anteriores. Nesse aspecto, o cenário político japonês guarda visível semelhança com o Brasil, onde uma espécie de prerrogativa dinástica é estendida aos filhos e netos de políticos de antanho de ocuparem os mesmos cargos onde pontificaram seus antepassados. Portanto, não haverá surpresa se dentro de uma década (se tanto), filhos ou parentes diretos de políticos da estirpe de José Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, Fernando Collor, Romero Jucá e outros menos votados sejam brindados por um sistema que privilegia o continuísmo e as razões de berço, com os mesmos postos ocupados por pais e avôs.

Uma diferença, entretanto, merece ser destacada por sua relevância. Imediatamente após a proclamação da derrota humilhante o primeiro-ministro Taro Aso anunciou a disposição, aliás, a única atitude condizente com a cabal manifestação da maioria da população, de abandonar a presidência do PLD, antevendo a cremação de um modelo político que dentro de pouco tempo completaria seis décadas na chefia do governo parlamentarista adotado no Japão. No Brasil, ocorre exatamente o contrário. Políticos impiedosamente derrotados nas urnas, ou pior, na estima dos eleitores, resistem como autênticas aves Fênix citadas na mitologia grega para reaparecer mais adiante, de preferência em outro feudo como o fez o senador José Sarney ao transferir o domicílio eleitoral para o Amapá, pondo no dedo da filha Roseana o vistoso anel de imperatriz do Maranhão.

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Quanto a Hatoyama, sabe-se que vai se defrontar com agudos problemas determinados pelo baixo nível de crescimento econômico do País, além dos desdobramentos sociais causados pelo envelhecimento da população. Também a aliança do Japão e Estados Unidos, fator relevante para a manutenção da estabilidade regional corre o risco de ser posta em confronto em face da formidável ascensão econômica da China.

No final da campanha, o mercado emitia sinais de mudança histórica no governo do Japão. Com a vitória do centro-esquerda, no entanto, começa a especulação em torno das medidas que os novos dirigentes vão tomar. A reclamação generalizada quanto ao programa econômico do PDJ é que o mesmo contém muitas promessas, mas não diz como cumpri-las. Isso também lembra o Brasil.

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