Domando a crise

Hoje, estamos quase no mesmo nível de euforia de um ano e meio atrás. Os sinais da economia mundial estão melhorando gradativamente – e os da economia brasileira ainda mais. Já conseguimos retomar o crescimento, não tivemos perdas destruidoras no comércio nem na indústria, e uma série de eventos positivos vai movimentar ainda mais o País nos próximos cinco anos (sete, se contarmos os investimentos para os Jogos Olímpicos de 2016, que acontecerão no Rio de Janeiro). A onda é tão positiva que o governo federal se viu obrigado a tomar medidas para conter o capital especulativo e segurar a rápida valorização do dólar -dois movimentos que podem prejudicar o Brasil a médio prazo.

Mas, voltando um pouco no tempo, estávamos bem mais eufóricos em junho ou junho de 2008. A economia voava em céu de brigadeiro, empresas faziam planos extraordinários de expansão, o governo exultava a cada resultado positivo. E não percebemos os indícios preocupantes da crise financeira que varreu o mundo a partir de outubro. O símbolo da reação brasileira foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chamou a situação de “marolinha”, para depois coordenar uma força-tarefa que blindou o País de maiores problemas.

Nestes momentos, a economia se faz de quem antevê as situações periclitantes. Usando uma definição brilhante do jornalista Armando Nogueira, ex-cronista de O Estado e ex-diretor de jornalismo da Rede Globo, no futebol “o bom jogador vê a jogada; o craque antevê”. No mundo dos negócios, quem percebe os sinais preocupantes do mercado também pode ser chamado de craque.

Mas como é um mundo mais “elegante”, o título pode ser o Troféu Equilibrista, que será dado pelo Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Paraná (Ibef-PR) ao gerente-geral de finanças da Renault do Brasil, Ciro Possobom. Também responsável pela tesouraria da empresa em toda a América Latina, o executivo conseguiu a proeza de manter no azul as contas da montadora de veículos francesa durante o pior período da crise.

Em entrevista ao repórter Hélio Miguel, na edição de domingo passado de O Estado, Possobom explicou o que percebeu e o que fez para blindar a Renault da crise: “Lá fora já havia alguns sinais de crise no final de 2007. O mercado financeiro começou a ficar diferente. No começo de 2008, começou a ter um pouco de restrição à liquidez. Estando lá, e trabalhando numa empresa do tamanho de uma Renault, já se sentia esse tipo de movimento. Chegando ao Brasil, vi que tudo estava muito bom. O mercado estava otimista, tudo dava certo. Vendia-se bastante e as margens nunca foram tão boas. O mercado de automóveis dobrou em quatro anos. Não que isso seja ruim, mas tudo tem que ter uma consequência. (…) Chegando aqui, trabalhei muito forte com o presidente da empresa e com o vice-presidente de Finanças, e os convenci a fazer uma operação de blindagem financeira, que nada mais é do que dinheiro em caixa. E conhecer e ser uma pessoa conhecida da matriz facilitou muito. (…) Quinze dias depois veio a crise e o real disparou. Aí chegaram as notícias de empresas quebrando, e no Brasil tiveram muitas com problemas, como não ter dinheiro para pagar as contas no final do mês. A Renault não passou nem de perto por isso”.

Ciro Possobom nos ensina uma lição que é difícil de ser aprendida – é nos momentos de maior êxito que se precisam tomar atitudes para garantir o futuro das empresas, das famílias, das cidades, dos estados, de um país. Justo no momento em que a maioria deita nos louros da vitória é que é preciso agir mais, trabalhar mais, vislumbrar possíveis tormentas. Quem agir assim, terá vantagens a médio e longo prazos. Terá o caminho pronto para, quando a bonança voltar, poder dar saltos bem mais altos.