Até mesmo o Conselheiro Acácio, ou a Velhinha de Taubaté, observadores atentos do cenário político brasileiro, poderiam der antecipado o intenso rumor que a discussão sobre quem haveria de empalmar a primazia de proclamar-se guardião e distribuidor da riqueza energética descoberta na camada do pré-sal, causaria no âmago do governo. A única coisa que jamais lhes passaria pela cachola é que, num governo presidido por um ex-líder metalúrgico e detentor da primeira carteira de militante do Partido dos Trabalhadores (PT), a discussão teria como protagonistas em pólos diametralmente opostos, representantes um pouco mais ou um pouco menos autênticos e autorizados (não vem ao caso), do que restou da implosão ideológica que transformaria em escombros, em termos políticos, tanto a direita quanto a esquerda.

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Talvez seja necessário esclarecer ao leitor menos identificado com o passado ainda recente da política nacional, que, desde 1964 e pelos vinte anos seguintes, o comando do País esteve subordinado às determinações emanadas dos principais comandantes das Forças Armadas, o chamado “estamento militar” na definição do general Golbery do Couto e Silva, aquele que por méritos próprios de intelectual versátil e estudioso dos fenômenos sociais e políticos, mas, em maior dimensão pela agachada subserviência dos patrimonialistas encastelados nas elites de poder, passaria a ser reverenciado como o mais iluminado exegeta do pensamento castrense.

Os “anos de chumbo” da ditadura militar resultaram num combate desumano entre setores organizados da esquerda, que tentaram de todas as formas possíveis, incluindo a luta armada, derrubar a direita encarnada no estamento militar e seus colaboradores civis, numa tentativa mais tarde descrita por inúmeros historiadores e, reconhecida pelos militantes, como uma quimera tão distante da realidade quanto a Terra está longe da Lua.

Apenas para aclarar uns poucos vislumbres desse choque ideológico, é preciso lembrar que a esquerda se fazia sustentar, aos trancos e barrancos, pelo remanescente dos tradicionais partidos comunistas e socialistas, dando-se o recrutamento da maior parte de seus militantes, basicamente, nas camadas inferiores do serviço público e nas universidades. Foi numa dessas situações típicas que apareceu a universitária mineira Dilma Rousseff, que por sua inteligência e capacidade de organização, de pronto assumiu funções importantes no movimento romanticamente destinado a minar a resistência da ditadura.

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No distante Maranhão, na contrapartida dos entusiastas do golpe de 1964 atraídos para as tertúlias do movimento jovem da Aliança Renovadora Nacional (Arena) estava o repórter Edison Lobão, algum tempo depois transferido pela cadeia dos Diários Associados para a capital federal, a fim de integrar a equipe do Correio Brasiliense. Dilma conheceu a angústia da tortura e da prisão, mas conseguiu construir uma carreira política que culminou com o cargo de ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República.

Por sua vez, Lobão logo foi eleito deputado federal e governador indireto do Maranhão e, graças às ligações indissolúveis com José Sarney, da garupa dos vários mandatos de senador obtidos pelo extinto PFL (hoje Democratas), sucedâneos da direita arenista, foi catapultado para o PMDB e, numa metamorfose digna a reduzir a genialidade de Kafka a um conto da carochinha, amanheceu como um enfarpelado Gregor Samsa na cadeira de ministro das Minas e Energia!

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Os antípodas Dilma Rousseff e Edison Lobão disputaram palmo e palmo a ocupação dos espaços que delimitam suas áreas de autoridade (e ideologia) na elaboração do marco jurídico da exploração do pré-sal. As divergências foram tantas que o documento ainda não está pronto para ser apreciado pelo presidente Lula. Lobão emplacou a criação de nova estatal com amplos poderes, mas Dilma luta para entregar as gigantescas reservas do pré-sal à Petrobras. O que ela imagina é o lema “o petróleo é nosso”, exatamente quando sair em campanha pela presidência da República. Simples assim.