A sociedade brasileira está pagando elevado preço pela atuação inaceitável de não poucos representantes eleitos tanto para o Executivo quanto para o Legislativo. Para comprovar o juízo de valor, bastaria passar em revista o noticiário recente das atividades do Senado da República, que, aliás, esteve em recesso durante as duas últimas semanas de julho em mais um escárnio a quem paga polpudos vencimentos às excelências com gabinetes e assentos no plenário duma instituição que, a rigor, não consegue fornecer o número exato de servidores submergidos na infindável malha de diretorias, coordenações, superintendências, serviços especiais e outras artimanhas paridas pela sapiência matreira de prestidigitadores da burocracia.

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O mínimo que os brasileiros conscientes de suas obrigações e direitos podem fazer, diante da flagrante licenciosidade que alguns integrantes dos poderes constituídos devotam às instituições que os abrigam, é lamentar profundamente os péssimos exemplos que estão pipocando nos círculos que deveriam primar pela lisura e respeito ao chamado bem público. Como a ordem vigente não dá espaço a quaisquer intervenções da sociedade organizada a não ser o repúdio por meio de manifestações populares a conduta prudente e necessária será anotar cuidadosamente o nome dos maus legisladores e governantes para puni-los com o olvido em futuras eleições.

Os integrantes do Congresso Nacional, por exemplo, estão protegidos por um arsenal de salvaguardas impensáveis para o cidadão comum. Por exemplo, o indigitado Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, colegiado que deveria investigar a fundo as denúncias de irregularidades cometidas por parlamentares no exercício do mandato, para então decidir por maioria de votos se o suspeito pode ou não permanecer no cargo, garantido o amplo direito de defesa, confere ao presidente eventual (sempre indicado pela maioria), “poder imperial” para determinar o arquivamento sumário de quaisquer processos.

Seria cômico se não fosse trágico, ou numa elaboração ainda mais emblemática, uma abusada galhofa pespegada à consciência nacional, pois se trata de ressuscitar em pleno regime republicano uma prerrogativa dos antigos imperadores, ou seja, a aplicação da vontade monocrática para decidir em instância irrecorrível. Não foi outra a conduta do senador Paulo Duque (PMDB-RJ), presidente do Conselho de Ética, ao ordenar o arquivamento de quatro das onze denúncias e representações contra o presidente José Sarney (PMDB-AP), dando a entender o rumo das sete solicitações restantes de investigação de quebra do decoro parlamentar, negados de pés juntos pelo único político brasileiro que já providenciou a construção do próprio mausoléu!

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Nessa torrente de podridão moral, também os eleitores do Rio Grande do Sul viram-se chocados pelas denúncias de improbidade administrativa pendentes sobre a governadora Yeda Crusius (PSDB) e oito integrantes de seu governo. A maioria dos deputados estaduais (38 de 55 parlamentares) assinou o requerimento pedindo a abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a denúncia de corrupção ativa na administração estadual, especificamente no Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

E no vizinho estado de São Paulo, mais uma vez os eleitores de cabresto do deputado Paulo Maluf (PP) acompanham com indisfarçável constrangimento a batalha judicial em torno das suspeitas de desvio de recursos públicos em obras superfaturadas durante a gestão municipal de Maluf (l993-1996). Os bens do atual deputado, sua mulher e do filho mais velho já estão indisponíveis por força de outra ação na Justiça. Agora, o Ministério Público estadual pretendia bloquear os bens da Eucatex S.A. Indústria e Comércio, mas o juiz Aléssio Martins Gonçalves, da 4.ª Vara da Fazenda Pública, frustrou a possibilidade tirando a empresa do bloqueio. Segundo os procuradores, a maior fatia do bolo de US$ 166 milhões remetidos de forma ilegal para paraísos fiscais foi aplicada na empresa. Jamais o eleitor e seu voto foram tão menosprezados!

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