Depois da festa, a cobraça

“Estou muito emocionado porque foi um trabalho extraordinário de todos brasileiros que queriam a Olimpíada. O trabalho do governo federal, estadual e municipal com o COB (Comitê Olímpico Brasileiro). Hoje, o Brasil conquistou a cidadania internacional. Quebramos o último preconceito. Provamos que temos competência para fazer a Olimpíada. (…) Era difícil pensar que o Terceiro Mundo conseguiria. Alguns nos tratam como País de segunda classe. Dizem que tem favela, criança pobre e não pode fazer Olimpíada. Temos o direito de fazer uma Olimpíada. E mostrar que a alma generosa vai fazer a maior Olimpíada que o mundo já viu”.

Foi bonito de ver. As lágrimas do presidente de República viraram imagem principal de sites de notícias de todo o mundo. Luiz Inácio Lula da Silva, autor das frases acima, não se conteve ao ver o Rio de Janeiro confirmado como sede dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016. Não só ele, mas também uma centena de políticos que estavam em Copenhague, na Dinamarca – entre eles, o ministro do Esporte, Orlando Silva, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, o prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, o presidente da Câmara de Vereadores do Rio, Stepan Nercessian. Sem contar a plêiade de esportistas que estavam lá para apoiar a candidatura brasileira – Janeth e Hortência (basquete), Isabel Swan (vela), Gustavo Kuerten (tênis) e César Cielo (natação), entre outros. Sem contar Pelé, o atleta do século XX, estrela levada para agitar ainda mais a turma do Rio-2016.

A festa se justifica. Receberemos, em pouco mais de dois anos (entre junho de 2014 e setembro de 2016), os dois grandes eventos do esporte mundial. Teremos um incremento extraordinário no turismo. Todo o País – por conta da Copa do Mundo – e o Rio de Janeiro em particular – recebendo as duas competições – terão benefícios. Um mercado gigantesco será criado em torno do esporte, gerando empregos e distribuindo riqueza. No melhor dos mundos, teremos a integração esportiva na educação, promovendo a inclusão social através dos Jogos Olímpicos.

Mas será assim? Será possível dissociar a Olimpíada e todo o bem que ela pode trazer ao Brasil (a mesma coisa para a Copa do Mundo de 2014) do tremendo risco de desvios espetaculares de verbas e da má gestão? Como não pensar nisso se as contas dos Jogos Pan-Americanos, que aconteceram no Rio em 2007, ainda não foram aprovadas pelo Tribunal de Contas da União, e há indícios flagrantes de superfaturamento e de roubo de dinheiro público? E os gestores do Rio-2016 são os mesmos.

Ao mesmo tempo que investimos mais de R$ 150 milhões para promover o Rio de Janeiro como possível – e agora confirmada – sede dos Jogos Olímpicos, algumas confederações esportivas brasileiras estão mendigando passagens e verbas para alimentação com empresários. Um grupo de para-atletas curitibanos não consegue ir para Taubaté (SP) porque não arranjaram R$ 1.800,00 para viajar. Em contrapartida, o Comitê Olímpico Brasileiro esbanjou dinheiro para produzir o elogiadíssimo vídeo de apresentação da “Cidade Maravilhosa” para os delegados do Comitê Olímpico Internacional (COI) na Dinamarca.

Podem dizer que uma coisa não exclui a outra. Que agora é o momento de distribuir o dinheiro, de investir em todos os esportes (inclusive os paraolímpicos, pois junto com a Olimpíada vem a Paraolimpíada). Que os quase R$ 25 bilhões que serão investidos vão trazer benefícios perenes para o Rio de Janeiro. Mas não se pode esquecer de cobrar, fiscalizar. Quem mais comemorou tem a obrigação de exigir lisura nos gastos com os Jogos Olímpicos. A quantidade astronômica de dinheiro não pode sair e não chegar ao destino. É preciso que seja revertido em obras, em iniciativas sociais e esportivas. A Olimpíada não virá ao Brasil para deixar poucas pessoas mais ricas.