Cotidiano da nação

O escárnio continua a ser regurgitado sobre os resquícios dos valores que a maioria absoluta dos cidadãos mais preza: honestidade, decência, compostura e respeito aos direitos dos iguais. Infelizmente não é esse o exemplo que continua a fluir dos esgotos do Senado da República, a cada dia exalando com maior intensidade a fedentina dos atos deploráveis chancelados pelos agentes que deveriam zelar pela integridade da instituição. As páginas políticas dos jornais e noticiários de televisão, ademais de infindáveis sites e blogs concedem amplo espaço ao tema que emporcalha, o termo não poderia ser outro, o cotidiano da nação.

A última volta do parafuso encravado na instância legislativa conhecida como Câmara Alta, também em flagrante uso inapropriado do significado real da expressão eufemismo, foi dada (haverá outras?) pela diretoria-geral ao convalidar na quarta-feira a cambulhada de 45 atos secretos. No mesmo dia, o presidente da instituição, senador José Sarney (PMDB-AP), foi isentado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar das denúncias e representações que pediam a abertura de processos investigatórios sobre uma série de desvios administrativos, dentre os quais avultavam indícios de nepotismo, favorecimento e corrupção.

Dentre os atos secretos agora emoldurados pelo reconhecimento oficial destacam-se os boletins de nomeação de Maria do Carmo de Castro Macieira, sobrinha do presidente do Senado, Nathalie Rondeau, filha de protegido político de Sarney, e Alba Leite Nunes Lima, casada com Chiquinho Escórcio, conhecido integrante da milícia pessoal do patriarca das sesmarias do Maranhão e Amapá. A justificativa usada para manter as respectivas pessoas nos empregos é capaz de fazer corar um frade de pedra, além de render homenagens aos milhões de patrícios reduzidos à categoria de desempregados nos glaciais informes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do insuspeito Ministério do Trabalho. Em amparo aos nomeados por atos secretos, proclama a administração do Senado que eles jamais deixaram de prestar os serviços pelos quais foram remunerados. São parentes próximos e apadrinhados, mas não fantasmas!

Ora, até o Conselheiro Acácio estaria obrigado a exigir explicação tanto mais plausível e correta que o sórdido argumento lançado com o costumeiro acinte no rosto dos contribuintes. Se os tais servidores são capazes de prestar os serviços deles requeridos, qual a razão de nomeá-los mediante o ignóbil expediente do ato sigiloso? Por que embuçá-los nas sombras de um sistema burocrático idealizado com a precisão de relojoeiro suíço, ao que tudo indica em cega obediência à voracidade inesgotável dos predadores do recurso público? Ou seria, pura e simplesmente, a fórmula insolente de rotular como extemporânea e sem validade a súmula aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), expungindo do serviço público o legado papista do nepotismo?

Com o objetivo de aliviar a carga de dejetos estratificada em sucessivas camadas, que acabou transformando o Senado da República numa autêntica “casa da mãe Joana” (com todo o respeito que a distinta senhora merece), a Mesa Diretora se dignou autorizar a execução do plano de reforma sugerido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), prevendo a dispensa de 2,2 mil funcionários e a economia de R$ 376,4 milhões anuais nos dispêndios da instituição. Quanto mais não seja, recairá sobre os ombros desses servidores a pecha de bodes expiatórios da moralização dos costumes na ex-respeitosa confraria de Rui Barbosa.

Com um total de servidores presenciais ou ocultos pelas patranhas das nomeações sigilosas, que é um segredo conhecido por pouquíssimas pessoas, ou nenhuma, e isso não causaria a menor surpresa, a fotografia da Casa incumbida de manter o equilíbrio político entre as demais instituições republicanas mostra que a mesma tornou-se curral de uns poucos espertalhões que exercem mafioso controle da obtusa evolução dos senadores sem-voto e integrantes do baixo clero.

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