Coloquial até demais

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quebrou o protocolo em visita ao Maranhão e falou um palavrão durante discurso numa cerimônia de assinaturas de contratos do programa federal Minha Casa Minha Vida. Ao destacar que o governo federal está fazendo investimentos expressivos em saneamento básico, Lula soltou: “Não quero saber se o João Castelo (prefeito de São Luís) é do PSDB, se outro é do PFL (atual DEM) e não quero saber se é do PT. Eu quero saber se o povo está na merda. Eu quero tirar o povo da merda em que ele se encontra’, disse. Após aplausos e risos da plateia, o presidente percebeu o deslize e tentou ali mesmo se justificar. “Lógico que eu falei um palavrão aqui. Amanhã os comentaristas dos grandes jornais vão dizer que o Lula falou um palavrão’, comentou. “Mas tenho consciência de que eles falam mais palavrões do que eu todo dia e tenho consciência de como vive o povo pobre’, emendou”.

Esse é o relato de mais um episódio insólito da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. O político mais popular da história do Brasil (é possível afirmar isso) tem nos discursos o seu ponto alto. Ele se solta, sai sempre do programado e acaba produzindo momentos curiosos. Parte deste estilo virou livro, um mais sério do jornalista Ali Kamel, outro mais galhofeiro do multimídia Marcelo Tas.

O bom dos discursos improvisados do presidente é que eles mostram que há um ser humano atrás do cargo imponente. E pode se tirar desta sensação a popularidade de Lula – ele é um de nós, é “a gente lá”, como dizem seus correligionários de PT. Certamente teríamos reações semelhantes a dele ao acompanhar determinadas cenas. Um político experiente e “preparado”, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não tem a espontaneidade de Lula, e por isso saiu do Planalto com alto índice de rejeição. FHC não é “como a gente”, é um intelectual que chegou ao poder pelo caminho tradicional, galgando postos eletivos e políticos até ser eleito presidente. Lula, ao contrário, tem uma trajetória comum a todos, e cativa por causa disso. Sua simplicidade encanta e diverte.

Desta vez, entretanto, o presidente exagerou, foi coloquial até demais. Tudo bem que ele sabe a situação dos mais carentes, principalmente no nordeste. Mas chegar em um evento público, com transmissão ao vivo (mesmo que seja pelas emissoras de televisão oficiais), e soltar um palavrão, é um excesso que um chefe de Estado e de governo não pode cometer. Por mais que entendamos que a situação talvez só pudesse ser resumida da forma crua que Lula usou, e sabendo que ele “é um de nós”, o ex-metalúrgico do ABC paulista hoje é o presidente da República.

E aí não há salvo-conduto. Seríamos hipócritas se relevássemos o ato de Lula, quando todo o País se levantou com a grosseria do então presidente Fernando Collor de Mello, que afirmou em um palanque que tinha o “saco roxo”. Atos de deselegância não fazem parte da etiqueta do cidadão comum, ainda mais de quem ocupa o mais alto cargo da nação.

O presidente também escorregou na crítica sem sentido à imprensa. Se algum colunista ou articulista usar palavrões em seus textos, precisa ser criticado da mesma forma que ele foi. Não é porque fulano ou beltrano fala que o presidente da República também poderá falar. E o contrário é possível, infelizmente.

Lula ainda tem outro detalhe a lembrar. Ele é um exemplo para as famílias mais carentes, e também para as crianças, que adoram o seu “jeitão”. Um ato como esse permite que todos pensem que podem falar palavrões a torto e a direito por aí. “Se o presidente fala, eu também falo”, podem dizer. E não seria nada agradável que este deslize de Lula virasse um mau exemplo para os brasileiros.