Castigo aos infiéis

A questão é delicada e demanda cuidado. Migrou das seções de modos e costumes para as páginas que tratam do noticiário político. Também é citada com frequência nas reportagens policiais como causa e efeito dos crimes de natureza passional. No cotidiano da vida pública brasileira ganhou espaço nobre e passou a pautar análises e discussões no Supremo Tribunal Federal (STF). A fidelidade ganhou em relevância, pois tem o escopo de empurrar goela abaixo dos imorais a moral, o respeito ao compromisso assumido. E a infidelidade partidária agora rende castigo aos praticantes.

O ministro do STF Celso de Mello tratou em jurisprudência a infidelidade partidária como um “desvio ético e político” e um “ultraje ao exercício do poder”. Em outro ambiente e em outra época, porém ainda dentro do mesmo cerne, o filósofo inglês John Stuart Mill sentenciou que “aquele que trai um amigo comete um ato condenável”. Assim é. Não se pode admitir que cidadãos com pretensões políticas procurem um partido para se filiar por suposta identificação com a filosofia e com a linha de atuação daquela legenda e, do dia para a noite, saltem de lá para cá de acordo com o que é mais conveniente no momento. Faz certo, portanto, o Partido Popular Socialista do Paraná (PPS-PR) ao anunciar punição para os filiados que divergiram da diretriz escolhida para o pleito de outubro de 2010.

Usando da prerrogativa que dita que os partidos políticos são livres para se auto-organizarem, devendo prever em seus estatutos mecanismos de fidelidade partidária, regras para a escolha dos candidatos e coligações, além de outros, o PPS-PR deu quinze dias para que prefeitos, vice-prefeitos e vereadores apresentem defesa ao Conselho Estadual de Ética da sigla sobre a possível ocorrência de infidelidade partidária durante as últimas eleições, quando o PPS-PR apoiou o governador eleito Beto Richa (PSDB). Dependendo do parecer do partido, os mandatários poderão ser expulsos conforme o código de ética e disciplina do PPS-PR. Tudo dentro do que está previsto em norma. Ou seja, os estatutos das legendas podem prever diferentes sanções para os atos de infidelidade, sendo estas desde a simples advertência até a exclusão.

A situação dispensa a máxima da escritora norte-americana Zelda Popkin: “Todo marido tem a infidelidade que merece”. Ora, o PPS-PR está sendo rigoroso, e não em demasia, ao cobrar uma postura que qualquer político deveria ter. E a atitude já descrita poderia muito bem se tornar regra. Os movimentos de troca de legenda e as ações carregadas de dubiedade dos políticos em apoio a um ou outro candidato, contrariando as decisões partidárias, confundem os eleitores e só fazem aumentar o desprestígio que a categoria goza junto à população.

A confirmação da traição se dá através dos números fornecidos pelo secretário-geral do PPS-PR, Rubico Camargo. Ele destaca que em mais de 120 municípios – dos 309 onde a sigla está presente no Estado – houve menos de 30% de votos para deputado estadual e federal, se comparado com as eleições de 2008. Segundo Camargo, em 71 municípios paranaenses a votação para deputado estadual ficou menor do que 50% dos votos obtidos para deputado federal e em 79 municípios a votação para deputado federal ficou menor do que 50% dos votos obtidos para deputado estadual.

Como tirar a razão do PPS-PR ao tentar punir quem lhe causou tamanha decepção? O ato de infidelidade traduz um gesto de intolerável desrespeito. É lamentável que o assunto não tem merecido a reverência que lhe deveria ser dispensada. Mas, contudo, nunca será tarde para se cobrar caráter e decência de quem dá demonstrações frequentes de desleixo com a administração da coisa pública.

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