Apenas um menino

O drama de duas famílias foi o assunto dos brasileiros nas últimas semanas. O menino Sean Goldman, nove anos de idade, deixou o País na quinta-feira ao lado do pai biológico, o norte-americano David Goldman, amparado por uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Era o final de uma batalha judicial que se arrastava desde a morte da mãe da criança, a brasileira Bruna Bianchi Carneiro. O pai e os avós maternos de Sean disputavam a guarda do menino e, no final das contas, o pai ganhou a “briga” e passou o Natal com o filho nos parques de diversão de Orlando, nos Estados Unidos.

As reações e a derrota da família brasileira provocaram pena, revolta e descontentamento com a decisão da Justiça. Gilmar Mendes, não propriamente um dos homens mais adorados do Brasil, protagonizou com o caso Sean mais um de seus momentos de polêmica – que vão desde as declarações críticas ao Poder Executivo até a libertação do médico Roger Abdelmassih, passando pelo fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo e o habeas-corpus para o banqueiro Daniel Dantas.

Por ter sido Mendes o autor da decisão, houve críticas por todo o lado. A família brasileira de Sean, que cuidava dele e vive o drama da despedida forçada, também acusou o governo federal e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de agirem pensando em acordos econômicos, sem lembrar das pessoas envolvidas no caso (Beatriz, a avó de Sean, disse claramente que o menino “foi trocado” pelo fim de barreiras comerciais aos produtos brasileiros). As sinceras lágrimas derramadas por aqui emocionaram até mesmo os mais durões.

Mas, no auge da emoção e do patriotismo (afinal, perdemos uma para os “imperialistas ianques”), esquecemos que havia dois outros personagens na história – além do padrasto, do tio e dos avós. Primeiro, David Goldman. É difícil apontar virtudes ou defeitos de alguém que só conhecemos por conta de uma visão restrita passada órgãos de imprensa dos Estados Unidos – que, é bom ressaltar, pode ser verdadeira, mas que no momento é apenas restrita, pois é revelada apenas pelo lado que disputava a guarda de Sean com ele.

O norte-americano pode ser um cidadão frio, pode nunca ter se preocupado com o filho, pode ter sido um péssimo marido para Bruna, pode ter usado a mídia e a política norte-americanas a seu favor. Mas apenas “pode”, não sabemos se “é” tudo isso que dona Beatriz e seus parentes falam. O que David realmente “é”, e isto não se pode negar, é o pai da criança. E ele tem direitos soberanos sobre o filho -ainda mais quando a mãe, infelizmente, morreu. Por mais que a Justiça possa decidir em contrário, a prioridade na guarda do menino é do pai. E baseado nisso que Gilmar Mendes decidiu – e também na Convenção de Haia, que define que a decisão sobre a guarda será do país em que os pais (no caso, o pai) reside.

Mas o personagem mais importante é Sean Goldman, pequeno protagonista de uma história que talvez ele não entenda. Pai, avós, tio e padrasto, advogados, juristas, desembargadores e ministros, políticos brasileiros e norte-americanos, jornalistas de lá e de cá – todos estes esqueceram totalmente do menino em nome de uma disputa judicial, uma guerra por popularidade e audiência.

Sean tem apenas nove anos, não sabe o que será de sua vida. Certamente está sofrendo por estar longe da avó, mas também não tinha a saudade do pai porque teve a convivência ceifada quando era ainda mais jovem. Acima da guerra travada por brasileiros e norte-americanos, que os parentes de Sean lembrem que o mais importante é a felicidade do menino, seja morando no Rio de Janeiro, seja morando em qualquer cidade dos Estados Unidos. E que o pai e os avós tenham a consciência de conviverem em harmonia, tudo em nome de um menino que precisa de carinho. Apenas um menino.