“Não foi um apagão”. “Foi um microproblema”. “Não há risco de problemas energéticos”. “Foi um problema relacionado com o clima”. “Não há relação entre o clima e o que aconteceu”. “Ainda não sabemos o que realmente aconteceu”. “Não houve falta de geração de energia”.

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As declarações acima foram pinçadas de várias matérias de várias agências, sites, emissoras de rádio e televisão nas últimas 36 horas. Todas elas relativas ao blecaute da última terça-feira, que atingiu dezoito estados brasileiros e conseguiu a “proeza” de deixar gigantes como Rio de Janeiro e São Paulo às escuras por várias horas. Os estados do Rio, de São Paulo, do Espírito Santo e de Mato Grosso foram totalmente afetados pelo apagão.

Ainda não há uma versão oficial sobre o ocorrido. O Operador Nacional do Sistema (ONS) está avaliando toda a rede de transmissão e outros fatores relacionados para tentar dar uma explicação – hoje exigida pela sociedade.

O fato gerou tremenda repercussão nacional e internacional. As emissoras de televisão (sediadas em São Paulo e no Rio, e funcionando às custas do trabalho dos geradores de energia) deram cobertura instantânea, mostrando inclusive as angustiantes imagens de pessoas esperando o final do apagão dentro dos trens. Ontem, já surgiram os primeiros relatos de quem estava preso no elevador, sem a menor noção do que estava acontecendo. A sorte é que a comunicação por telefone celular ajudou muita gente a passar o tempo.

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Agora, passado o susto, é preciso ação. As autoridades têm a obrigação inicial de, como dito, explicar à sociedade o que realmente aconteceu. Não se pode negar que o governo federal vem se esforçando para deixar tudo às claras – apesar de sempre afirmarem que os problemas não são tão grandes. Foi o que fez o ministro da Justiça, Tarso Genro, nitidamente preocupado em não transformar o apagão em matéria para a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Tudo porque a palavra “apagão” ficou incrustada como uma tatuagem no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Seu governo sofreu com dois blecautes, um deles tão forte que provocou um racionamento generalizado, inclusive com a suspensão de eventos noturnos que exigissem grande consumo de energia elétrica, como jogos de futebol e shows de música. Na campanha que elegeu pela primeira vez Lula como presidente da República, em 2002, o hoje governador de São Paulo José Serra, filiado ao mesmo PSDB de Fernando Henrique, sofreu com as acusações de negligência do partido ante a crise energética.

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Depois de entender e explicar o que houve na fatídica noite de terça-feira, o governo terá que colocar a mão na massa. Não basta apenas ficar falando que o sistema brasileiro de transmissão de energia é um dos mais modernos do mundo, ou afirmar que isto pode acontecer em qualquer lugar. Provavelmente, nenhum australiano ou japonês quer saber se aqui houve blecaute – da mesma forma pouco interessa se a França ou a Indonésia sofrem com falta de energia. Interessa-nos o Brasil, e não podemos ficar reféns de efemérides como essa, que param o País por horas a fio.

Uma política energética não se resume à expansão do etanol e à descoberta do petróleo abaixo da camada pré-sal. Ela engloba também a relação entre consumo de energia elétrica e crescimento do País. E se o governo espera (como todos nós) que a economia avance, precisa criar condições para que este avanço não seja travado por problemas estruturais.

Fica a sensação, após passarmos pelo que passamos na noite da fatídica terça, que se deitou nos louros de uma vitória ainda não conquistada. E, como se fosse uma punição por soberba, levamos -com o perdão do trocadilho – um choque. Agora, mãos à obra, para que a recentíssima falta de energia não se transforme em um apagão institucional.