Nos últimos vinte e seis anos a República assistiu a duas lentas agonias de dois grandes líderes nacionais – no segundo caso a luta continua – e por um capricho do destino, ambos mineiros e ambos ex-senadores. E ambos com o roteiro desenvolvido no Palácio do Planalto. No primeiro caso, Tancredo Neves, às vésperas de ser entronizado primeiro presidente após o período militar, foi acometido de repentina moléstia que o vitimou em poucas semanas. Foi um grande trauma.
O velho político era a esperança de todos os brasileiros no começo de uma nova era, após longos anos de ditadura militar. Uma esperança que incluía setores militares, para que seus eventuais desmandos se dissolvessem numa cortina de grande pacificação nacional. Tancredo foi eleito pelo colégio eleitoral em 15 de janeiro de 1985 e após uma sequencia de cirurgias destinadas a lhe devolver a saúde, dias tensos, morreu no dia 21 de abril de 1985 numa comoção coletiva rara. Então José Sarney, apenas figurante em todo acordo político do período, assumiu o cargo para uma era turbulenta. Não podia haver nada mais frustrante para a então denominada Nova República prometida por Tancredo.
Eis que em 2002, depois de três tentativas de chegar ao Palácio do Planalto, o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva surpreende seus companheiros, dá uma guinada à direita e escolhe um velho empresário mineiro para ser companheiro de chapa: José Alencar (PL). Houve desconfiança de todos os lados. A esquerda temia a companhia exótica e a direita temia os furibundos do PT. Uma química com tudo para evaporar na primeira esquina se revelou bem-sucedida com o correr dos anos. E hoje pode-se dizer que boa parte dos oito anos de glória de Lula em seu legendário período de presidente da República tem o dedo daquele mineiro discreto.
Alencar deu confiabilidade a um projeto e também contribuição com a visão pragmática de empresário bem-sucedido. Antes de chancelar muitas decisões, o ex-presidente tinha o conforto de chamar o vice e perguntar: “E aí, Zé, o que você acha?”. E Lula sabia que ia ouvir uma voz respeitável. Com o tempo ele conquistou um amigo, mais que um companheiro de luta. Uma amizade tão sincera que o primeiro gesto de Lula ao deixar a presidência foi pegar o avião para São Paulo e, antes de ir para casa, passar no hospital em que Alencar se convalescia de uma nova intervenção cirúrgica para lhe dar um comovido beijo na testa e saudar: “Nossa missão foi cumprida, amigo”.
No entanto, durante todo este tempo, Alencar lutava em dois fronts. O primeiro, da política; o segundo, mais doloroso e silencioso, a doença que o acometia desde os anos 90. O ex-vice-presidente lutou contra o câncer como um leão, deixando evidente que em qualquer luta, ele não é de entregar os pontos. Paradoxalmente, ao contrário de Tancredo que embora prometesse um novo tempo de prosperidade, não teve a chance de conduzir o processo, Alencar não prometeu nada, a não ser lutar, e lutou durante oito anos e atravessou o governo Lula como um dos interlocutores mais fiéis e decisivos.
Ontem, o ex-vice-presidente foi homenageado com a Medalha 25 de Janeiro, durante o aniversário da cidade de São Paulo. Uma honraria já recebida pelo presidente Lula e também na mesma ocasião concedida ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff estavam presentes, numa demonstração de sólida amizade e agradecimento a um dos homens mais proeminentes que a República teve nas últimas décadas. A figura debilitada de Alencar era cansada, como a de todo guerreiro que não se entrega nunca, incansável e aguerrido. A sua declaração ontem foi comovente, mas ao mesmo tempo um exemplo a ser admirado. “Eu faço a minha parte e estou lutando para não morrer”. Talvez seja exatamente isto que o Brasil deseja de todos os seus filhos. Que façam a sua parte. Que lutem pela vida. Pela vida de cada um e de todos os brasileiros.