A entrevista de Dilma

É notória a preocupação da presidente eleita Dilma Rousseff em conversar com os jornalistas. Para ela, para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e para a maioria dos políticos do PT, há má vontade da chamada “grande imprensa” com o partido e com seus líderes. Para alguns mais ousados, cabem até acusações de privilégios a outros partidos, principalmente o PSDB de José Serra, Geraldo Alckmin e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Este distanciamento ficou nítido com as entrevistas do presidente Lula aos ditos “blogueiros progressistas” e às rádios comunitárias – todos, claro, bem afinados com o discurso oficial. Nas conversas, Lula aproveitou para reclamar da mídia e pedir que a população não admitisse mais que as emissoras de TV e rádio, os jornais e as revistas não “doutrinassem” o pensamento comum.

Acima de qualquer análise ideológica, o que acontece é que Lula e o PT querem, a rigor, uma mídia mais serena, que não dê tanta divulgação aos problemas e escândalos do governo federal -tudo que o partido explorou muito durante os governos de Fernando Henrique, quando os jornais, as revistas e as emissoras de rádio e televisão denunciavam o PSDB. É a velha história da vidraça e do estilingue.

Bem, mas se Dilma não fala tanto quanto poderia com a imprensa local, ela deu uma alentada entrevista ao jornal Washington Post, um dos mais importantes dos Estados Unidos. Tratou de vários assuntos, admitiu que seu pensamento é diferente do de Lula em algumas situações. O que é muito bom, por sinal, pois mostra que ela não será uma mera continuadora do atual governo, mas uma presidente com personalidade própria.

E um trecho da entrevista foi analisado pelo jornal O Estado de S. Paulo: “O jornal questiona se o fato de Dilma ter sido prisioneira política irá afetar as políticas em relação a países como o Irã. Dilma diz que considera importante ter uma estratégia de construir a paz no Oriente Médio. “O que vemos no Oriente Médio é a falência de uma política, de uma política de guerra. Estamos falando do Afeganistão e o desastre que foi a invasão do Iraque. Não se conseguiu estabelecer a paz nem resolver os problemas no Iraque, que vive hoje uma guerra civil’, disse a presidente eleita ao Washington Post. “Tentar estabelecer a paz e não partir para a guerra é o melhor modo’, defendeu. “Mas eu não endosso o apedrejamento. Não concordo com as práticas medievais características que são aplicadas quando se trata de mulheres. Não há nuances e eu não farei nenhuma concessão em relação a isso’, garantiu”.

Dilma Rousseff sabia que seria questionada em relação às políticas do Irã. Afinal, o Brasil foi um avalista das táticas destrambelhadas do presidente daquele país, Mahmoud Ahmadinejad. O presidente Lula deu guarida aos projetos nucleares iranianos – que chegou à autossuficiência na produção de urânio enriquecido nesta semana. Só que apoiar incondicionalmente o país do Oriente Médio significa aceitar que haja brutalidades contra as mulheres, como o apedrejamento a pretensas infiéis.

E a presidente não teria a menor condição de assinar embaixo essas práticas. E por conta disso, quem sabe as relações do Brasil com o Irã sofram uma revisão. Que pode ser mínima, se analisarmos os temas mais candentes. Mas que pelo menos mostra que, por princípios pessoais, Dilma não poderá manter muitos dos compromissos diplomáticos do governo Lula.

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