A desfaçatez de Arruda

Um analista disse certa vez que a política brasileira tem uma capacidade singular de surpreender. Quando menos se espera, surgem situações inusitadas, tal como evoluções sobre temas que já conhecemos – mas de uma forma que beira o absurdo e parece que não será superada, ao menos até o surgimento de um novo escândalo.

Foi assim com a descoberta do esquema “PC Farias”, no governo de Fernando Collor de Mello. Logo depois, vieram os “anões do orçamento”. Em seguida, as compras de votos da reeleição. Mais tarde, o “mensalão”, os “aloprados”, os dólares na cueca, o “mensalão mineiro” e, por último, o nepotismo e os “atos secretos” no Senado Federal.

A impressão é que se havia chegado ao limite. Mas os fatos amplamente divulgados pela imprensa nos últimos dias superam todos os graus de desfaçatez. Uma série de vídeos mostra o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do Democratas (DEM), embolsando dinheiro de aliados e empresários. Com ele, quase toda a cúpula do governo brasiliense e da Câmara Legislativa, o equivalente à nossa Assembleia Legislativa.

As imagens foram gravadas pelo ex-secretário estadual Durval Barbosa. Ele fora o homem forte do ex-governador Joaquim Roriz, de memória nada saudosa, e ficara como herança para Arruda, que, no entanto, manteve o status do político. Barbosa ficou responsável por ser o “operador” desta espécie de mensalão candango. Ao lado deles, está Paulo Octávio, vice-governador e um dos melhores amigos do ex-presidente e senador Fernando Collor – o que não o ajuda em nada.

José Roberto Arruda não é um “novato” nesta história de escândalos. Muitos se surpreenderam com sua eleição para o governo, pois ele ficou marcado como um dos responsáveis pela violação do painel do Senado, em 2001. Àquele momento, imaginava-se que sua carreira política havia se encerrado. Mas ele voltou e conseguiu, agora definitivamente, manchar seu nome como homem público.

Mesmo assim, o governador teve a coragem de ir a público para algumas das declarações mais bizarras da história recente do País. A explicação inicial, de que o dinheiro mostrado nos vídeos era para a compra e posterior distribuição de panetones para comunidades carentes. Seria cômico se não fosse trágico. Depois, Arruda disse que o áudio das gravações estava truncado. E as imagens? Só faltou dizer que o dinheiro era de mentira.

E os deputados e empresários guardando dinheiro em meias, bolsas e cuecas? Mais extravagantes que as cenas foram as explicações. Um deles, que simplesmente é o presidente da Câmara Legislativa (deputado Leonardo Prudente, do DEM), flagrado colocando maços de notas por todos os orifícios de sua roupa, afirmou que “é a Justiça quem vai dizer se isso é crime ou não”. Jogou-se a ética pelo ralo e ninguém está nem aí.

Tão diligente nas buscas pelos culpados no caso do mensalão petista, o DEM já demorou demais. Com imagens tão fortes, José Roberto Arruda deveria ter sido expulso do partido e ainda ter seu afastamento do governo apoiado pelos democratas. Enquanto demora a agir, e se vê emparedado pelo governador, outras siglas fogem do caso, saindo da administração brasiliense.

A postura do DEM e de seu único governador mostra que não há no Brasil um partido sequer que consiga colocar a mão no fogo por todos os seus próceres. PT e PSDB, os dois mais importantes, têm elementos com desvios de conduta tão assustadores que surpreende o fato de ainda terem guarida de homens públicos como Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. Quando a desfaçatez de José Roberto Arruda fica comum, e o mundo político reage com naturalidade, é fácil entender porque a população brasileira está cada vez mais descrente e mais despolitizada. É mais uma derrota da sociedade.