A culpa não é só dele

O senador José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado Federal, ex-presidente da República, foi um dos protagonistas da política brasileira nos últimos meses. Uma série de denúncias, muitas delas com provas irrefutáveis, inundaram a imprensa e fizeram com que doze processos fossem protocolados no Conselho de Ética da Câmara Alta. Amparado pela ligação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por uma eficiente tropa de aliados, liderada pelos senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Sarney se livrou de todos, e continua firme no cargo.

Mas saiu bastante arranhado do episódio. Pesquisas apontavam mais de 70% de rejeição ao nome dele, e índices semelhantes de respostas positivas à pergunta “você é a favor da renúncia de José Sarney”. Seu notório interesse em empregar parentes ficou escancarado e sua imagem de estadista reduzida ao mínimo possível. Sem contar as ações incisivas de alguns políticos, como os senadores Pedro Simon (PMDB-RS), Jarbas Vasconcellos (PMDB-PE) e Cristovam Buarque (PDT-DF), que pediram da tribuna do Senado que ele saísse. E, para completar, a insólita aparição do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que lhe deu um cartão vermelho, como se fosse um árbitro de futebol expulsando um jogador violento, ou com conduta antiesportiva.

Mesmo assim, Sarney não admite que seja responsável pela pá de cal que este escândalo jogou na reputação dos políticos brasileiros. Na quarta-feira, o senador concedeu entrevista à TV Brasil (sim, porque as emissoras comerciais e os jornais não estão merecendo a atenção dele) dizendo que não é de responsabilidade dele a crise institucional do Senado. O despacho da Agência Globo foi destaque na edição de ontem de O Estado: “Segundo Sarney, a degradação dos três poderes ocorre há tempos. Ele ressalvou, no entanto, que a capacidade dos presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e de Lula em lidar com as crises foram fundamentais para aguentar as consequências do enfraquecimento dessas instituições até o momento. Sarney ressaltou ainda que a crise que atinge a Casa não é apenas de sua responsabilidade. O parlamentar lembrou que o Senado convive há pelo menos dez anos com sucessivas crises. O senador avalia que, durante essas crises, os servidores responsáveis pela administração aproveitaram-se e “ocuparam espaços vazios para crescer’. Como consequência veio o inchaço da máquina, um dos fatores que culminaram nas denúncias de irregularidades, inclusive com contratações, por ato secreto, de parentes – o que Sarney negou veementemente”.

Sarney, com a habilidade de cinquenta anos na política, esquece que nestes dez anos de crise que ele mesmo citou, também foi presidente do Senado. Ele não está no cargo pela primeira vez, muito pelo contrário. E acabou permitindo que tomassem de assalto a mais importante casa de nosso parlamento. Ele também sabe que neste período o aliado Renan Calheiros também conduziu o Senado, tendo que sair depois da comprovação de atos ilícitos.

A experiência de quem já foi presidente do Brasil permite que José Sarney faça críticas genéricas, como a que também consta da matéria citada acima, quando ele afirma que o nível dos políticos do País caiu muito. Só não comenta que é partícipe desta piora de qualidade, ao lotear o governo federal indiscriminadamente entre 1985 e 1990. Surgiu dali uma geração de políticos “nacionais”, que hoje controlam a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. E também uma cultura de distribuição de cargos públicos que ignora a capacidade e beneficia a amizade e o parentesco. É possível dizer que a culpa não é só de Sarney. Mas não se pode negar que ele tem uma parcela considerável nesta degradação dos agentes públicos do País. É uma verdade irrefutável.

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