A culpa do outro

Quando o assunto é o uso do dinheiro público, há muitos interessados e poucos responsáveis. Os interessados são aqueles gestores que não se cansam de pedir verbas e mais verbas para projetos -alguns prioritários, outros inexequíveis. Os responsáveis são aqueles que sabem as necessidades de seus setores e administram o dinheiro de forma que ele dure o maior tempo possível, sendo útil para o maior número de pessoas.

Interessados e responsáveis têm a obrigação de aplicar o dinheiro público da melhor forma possível, sem qualquer tipo de desvio. Claro que nem sempre os projetos vão dar certo, há situações imprevisíveis que podem mudar os planos. Mas quando isto acontece, os responsáveis assumem a situação, tentam corrigi-la o mais rápido possível e não se escondem das críticas. Já os interessados preferem praticar o esporte preferido da burocracia brasileira – transferir a culpa para os outros.

É o caso dos problemas no Sistema Único de Saúde, o SUS. O repórter Leonardo Coleto percorreu os hospitais e falou com as autoridades constituídas. Seguem agora dois trechos da matéria de O Estado do último domingo. O primeiro: “A Constituição Federal de 1988 garante: a saúde é direito de todos e dever do Estado. Na teoria o artigo 196 é de extrema importância, mas será que na prática é isso que acontece? Usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) em Curitiba afirmam que filas e demoras no agendamento de exames e cirurgias são frequentes. Muitos temem, inclusive, por dependerem do SUS como única forma de acesso à saúde”.

O fato é notório. Não é de hoje que os brasileiros sabem que a saúde pública vive um estado de calamidade pública. Se recentemente não acompanhamos mais aqueles momentos trágicos – pessoas largadas em macas nos corredores, crianças e gestantes sofrendo no chão, idosos perdendo a vida por falta de atendimento -, é porque houve uma significativa melhora da economia, que permitiu para muita gente adquirir planos de saúde, mesmo os mais singelos.

Assim, a situação não é mais desesperadora, mas segue sendo muito ruim. Aqueles que ainda precisam dos hospitais públicos esperam por exames laboratoriais, sofrem para conseguir consultas e, claro, dependem da boa vontade e da sorte para passarem por cirurgias. É pior, claro, para crianças e idosos, que são os mais necessitados – e principalmente não podem esperar por serviços básicos.

Agora, o segundo trecho da reportagem de O Estado: “Segundo o Ministério da Saúde (MS), o SUS é descentralizado em todo o Brasil. Ou seja, não há hierarquização e os gerentes locais (secretarias municipais e estaduais) são responsáveis por todo o atendimento. Em Curitiba, pelo município ter gestão plena do SUS, a responsabilidade por essa demora de atendimentos é da Secretaria Municipal de Saúde (SMS)”.

Quando a situação é boa na saúde, o ministro José Gomes Temporão aparece rapidamente para colher os louros. Mas se o caos impera, logo se repassa a responsabilidade para a prefeitura de Curitiba, neste caso. É importante ressaltar que, claro, a prefeitura tem que agir para melhorar a situação na capital do Estado.

Mas cabe ao governo federal, no mínimo, exercer maior cobrança. Da forma como se manifestou, o Ministério da Saúde simplesmente lavou as mãos, como se o problema não lhe interessasse. Por mais que o SUS tenha administração local, é um organismo ligado ao ministério. Por isso, que as autoridades competentes assumam a responsabilidade de cuidar dos problemas da saúde pública em todo o País.