A África e o Brasil

Há nove dias, o Brasil quase parou para acompanhar o sorteio dos grupos para a Copa do Mundo de 2010, que vai acontecer na África do Sul. Um evento bonito, com estrelas do continente africano e o brilho incandescente da atriz Charlize Theron, que foi a “dona” da festa. Como todos sabem, a seleção brasileira ficou no grupo G, com Coreia do Norte, Costa do Marfim e Portugal, adversário que poucos queriam encarar logo na primeira fase -tanto pela dificuldade em campo quanto pela relação entre os dois países.

Mas, apesar de todo o interesse que o futebol proporciona para o brasileiro, havia mais a ver além dos grupos da Copa – e se a Argentina ia cruzar com adversários difíceis, ou se a França protagonizaria o “grupo da morte”. A pouco mais de seis meses para a competição, foi a primeira exibição formal dos sul-africanos para o mundo. Foi, digamos assim, o trailer que o país-sede da Copa do Mundo apresentou para todos que vão acompanhar o torneio.

Como é de praxe em eventos esportivos, a África do Sul quis mostrar exuberância a quem acompanhou o sorteio daquela sexta-feira, 4 de dezembro. A intenção era deixar claro que, depois de tantos anos de preconceito racial oficial (o apartheid), ali estava um país íntegro, unido e bonito, pronto para receber turistas de todo o planeta.

Os mais belos cenários naturais foram apresentados, a força da música local foi explorada, e o símbolo da reconstrução do país, o ex-presidente Nelson Mandela, saiu do silêncio para uma manifestação oficial (gravada, claro).

Mandela era necessário no evento – assim como o arcebispo Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, este sim presente no sorteio realizado na Cidade do Cabo. Eles deram um verniz democrático e sereno à festa, pois o presidente Jacob Zuma ainda sofre com a fragmentação de seu partido, o Congresso Nacional Africano, após uma série de denúncias de corrupção. Apesar da aparente animação ao lado do presidente da Fifa, Joseph Blatter, Zuma está preocupado. As obras no país-sede da Copa de 2010 não estão no ritmo esperado. Estão avançadas, é verdade, mas poderiam estar mais -principalmente o estádio que é a joia do evento, o Soccer City, em Johanesburgo. Há pouco tempo, os operários quase entraram em greve por conta das más condições de trabalho e dos baixos salários. Foi o presidente quem precisou entrar em cena para que a rebelião dos trabalhadores não se consumasse.

Além disso, houve muita preocupação com a segurança. Não a interna, nos locais de eventos, mas sim a externa, nas ruas das grandes cidades sul-africanas. No dia do sorteio, foi feita uma rápida operação para a retirada de uma suposta bomba no centro de convenções da Cidade do Cabo. Ao mesmo tempo, os emissários da cidade avisavam os jornalistas para que eles tomassem cuidado com os assaltos, principalmente à noite.

São situações que o Brasil precisa acompanhar com atenção para aprender. Afinal, somos a sede da Copa do Mundo de 2014 e logo depois dos Jogos Olímpicos, que serão no Rio de Janeiro em 2016. Os problemas políticos, de infraestrutura e de segurança que a África do Sul passa são parecidos com os nossos. É só lembrar que o escândalo envolvendo o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, reúne vários dos integrantes do comitê local para a Copa de 2014 – e o próprio governador é muito próximo do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira.

Na infraestrutura, várias obras estão com dificuldades para serem iniciadas – ou por erros no cronograma, ou por falta de licença ambiental, ou por falta de dinheiro mesmo. E a segurança pública brasileira é uma calamidade. Daí a necessidade de atenção extrema. A África do Sul nos dá lições a cada dia. Que possamos aprender com elas, para que consigamos fazer uma grande Copa – e melhorar o Brasil como um todo.