Os casos de homicídios praticados por parceiros ou ex-parceiros contra mulheres, além de alcançarem notoriedade por conta da fama ou do cinismo debochado dos suspeitos, surpreendem devido à intensidade com que ecoam na opinião pública, sem gerar mudanças significativas de comportamento na sociedade. A crueldade noticiada em detalhes choca, mas não inibe novos crimes. Ao contrário, parece servir como modelo para assassinatos.
É importante observar, sem ignorar as diferenças entre motivações e histórico dos supostos assassinos de Mércia Nakashima e Eliza Samudio, entre tantos outros exemplos recentes, que a violência participa do cotidiano contemporâneo, sem distinguir classe social, etnia, faixa etária e grau de instrução. Tirar a vida de uma pessoa já não constrange, pelo menos quando se trata de preservar o patrimônio, imagem social ou a tranquilidade individual do ser humano neste século XXI.
São tantos os crimes entre casais, em situações de desentendimento entre vizinhos, em ocorrências no trânsito, em brigas domésticas, e até no trajeto entre casa e escola, que assistir aos noticiários vespertinos nos remete à desorientadora percepção de insegurança permanente. Com efeito, ao lidar com a sistemática ruptura de referências, como autodefesa emocional, os indivíduos tendem a minimizar os atos de violência em seu entorno, banalizando-os. Comportamento capaz de gerar transtornos psíquicos e aumentar a agressividade em relações cotidianas.
Estudos elaborados pela Associação Mundial de Psiquiatria revelam que comunidades que enfrentaram situações de catástrofe, como terremotos, tsunamis, atentados e guerras, apresentam aumento exponencial no número de casos de adoecimento emocional durante anos e, até mesmo, décadas, após o trauma. É notório que a exposição de indivíduos saudáveis a situações extremas sugestiona comportamentos primitivos, como os que foram relatados, por exemplo, entre as pessoas afetadas pelo furacão Katrinna, que assolou regiões dos Estados Unidos, em 2005.
Se situações desorganizadoras podem gerar distúrbios emocionais, será possível avaliar com correção e imparcialidade, as atitudes da parcela mais jovem da população brasileira, sabidamente alijada de acompanhamento social adequado e educação de qualidade, mas imersa em um cotidiano permeado de violência banalizada?
Nossa sociedade incentiva a competição pela perspectiva do resultado e não dos méritos e princípios que geraram a conquista. Nesse contexto, o caso do ídolo, do ex-policial e tantos outros, por vezes ainda mais trágicos, revelam mais que situações de desrespeito à vida e inversão de valores. São sintomas que expõe a realidade desorientadora ou “disruptiva” a que todos estamos submetidos. Condição que pode adoecer ou não, a partir da predisposição biológica, das experiências sociais e percepções individualizadas de cada pessoa.