Filme curitibano, “Ferrugem” choca público e é aplaudido de pé

Cena do filme "Ferrugem". Foto: Divulgação/Olhar Distribuidora
Cena do filme "Ferrugem". Foto: Divulgação/Olhar Distribuidora

Sete e quarenta da noite, espero a minha carona através do aplicativo Uber. O motorista foi bem claro, sigo o GPS? Eu o respondi, “pelo o caminho mais rápido, preciso chegar às 8h”. Mas infelizmente ele me informa que o aplicativo indicava que eu chegaria só às 20h10. Digo tudo bem. Ok, o que isso tem haver com o filme? Explico nos próximos parágrafos.

No meio do caminho não tinha uma pedra, apenas o anseio de eu conseguisse chegar a tempo. Gustavo, o motorista do Uber, disse que estava tentado chegar o mais rápido possível. fiquei agradecido com a atenção. Neste tempo, ele me perguntou se eu estava indo a trabalho. Ao dizer que sim, acabei contando que trabalho em um jornal de Curitiba, a Tribuna do Paraná.  “Teve uma época que a gente torcia o jornal e saia sangue”, finalizou com a frase clichê de forma engraçada.

Não sendo a primeira vez que recebia essa piada, expliquei gentilmente que o jornal mudou sua linha editorial, que estávamos focando na prestação de serviço. Ele disse que percebeu a mudança e continuou dizendo que fica perplexo quando recebe fotos de gente morta e toda ensanguentada. Chegou até relembrar um caso recente ocorrido na Linha Verde, onde um carro da polícia militar atropelou quatro pessoas.  Sobre este fato, eu opinei que achei um desrespeito com a família e com a própria vítima por ter este tipo de imagem divulgada.

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Além da atrocidade, acabamos entrando no assunto das famosas “nudes” vazadas. Gustavo disse que joga futebol nos finais de semana e que participa de um grupo no WhatsApp dos amigos “bons de bola”. “Lá eu já recebi várias nudes de mulheres. É um absurdo, eu já cheguei a comentar: E se fosse sua filha?”, refletiu na conversa.

Cena do filme "Ferrugem". Foto: Divulgação/Olhar Distribuidora
Cena do filme “Ferrugem”. Foto: Divulgação/Olhar Distribuidora

E foi com essa mesma indignação de Gustavo sentida pelo cineasta Aly Muritiba. Além de ser pai de adolescente e ter lecionado em colégios durante algum tempo, Muritiba observou como a tecnologia afeta a vida desses garotos. Usar ou não smartphone em sala de aula? Dar ou não um celular para o filho? Até quando há limite entre espaço público e privado? Foram essas perguntas que surgiram na mente do diretor baiano radicado em Curitiba.

Com essas indagações surgiu o filme “Ferrugem”, história de uma jovem que tem a vida transformada após ter um vídeo íntimo compartilhado entre os alunos da escola em que estuda. A trama parece simples, mas serve de mote para a discussão sobre o cyberbullying – assédio virtual praticado por um grupo de pessoas a fim de prejudicar alguém – e o revenge porn  – ato de expor conteúdo sensual sem o consentimento do ofendido.

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“As pessoas acreditam que a internet é uma terra sem lei, que o mundo virtual não traz consequência”, comentou o diretor em entrevista por telefone ao blog Não é Spoiler. Para expandir o alerta sobre estes crimes, além do filme, o público pode acompanhar no site oficial de “Ferrugem”, a campanha “Agora que você sabe”. O objetivo é levar a discussão sobre o tema e explicar que há punição sim para quem divulgar ou pratica este tipo de ofensa.

Aly também cita trabalho de Vanessa Graziottin (PCdoB) e Gleisi Hoffmann (PT), duas senadoras que buscam o aperfeiçoamento das leis sobre os crimes cibernéticos, tornando mais rigorosas a punição contra estes infratores.

O debate sobre cyberbullying e revenge porn não deve ser só discutido no ambiente escolar, mas também entre os familiares. “Nós não estamos preparados para educar os nossos filhos com a internet”, ressalta o diretor. Isso acarreta na falta do ensinamento sobre a preservação da privacidade do outro.

Cena do filme "Ferrugem". Foto: Divulgação/Olhar Distribuidora
Cena do filme “Ferrugem”. Foto: Divulgação/Olhar Distribuidora

A distração dos próprios pais com smartphones culmina na falta de discussão sobre estes temas“Os adultos estão se comportando como adolescentes, se vestindo como adolescentes, querem ser amigos dos seus filhos. Isso está criando jovens problemáticos”, finaliza o diretor.

Sobre a representação do cinema curitibano no exterior e até mesmo em outras regiões do Brasil, Aly Muritiba explica que o filme “Ferrugem” está sendo percebido pela sua relevância contemporânea. Independente de ser curitibano. Sendo bem recepcionados em seis festivais internacionais, onde o tema sobre bullying e do porte de arma em casa ainda são muitos discutidos lá na gringa. Com isso, o longa causa interesse para que seja exibido no circuito comercial nos outros países.

Mas sobre o cinema curitibano em si, ele diz que é “desamparado”. O cineasta comenta que falta políticas públicas para o fomento de conteúdos regionais. “A gente tem um monte de jovens realizadores e realizadoras querendo fazer seus filmes, tendo poucos meios em fazê-los”. E continua dizendo que, “Ferrugem é um filme rodado no Paraná, de uma produtora paranaense. No entanto, nenhum centavo investido neste filme ou na divulgação veio do Estado do Paraná ou da cidade Curitiba”.

Sobre projetos futuros. Em outubro, o cineasta começará filmar a série “A Facção”, produção original da Netflix. Já no ano que vem, gravará “Barba – A Ensopada de Sangue” e “Deserto Particular”, este último filmado em Curitiba.

“E sabe quanto que o ‘Deserto Particular’ tem dinheiro vindo de Curitiba e do Paraná? Zero”, finaliza.

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A Pré-estreia

Ferrugem pré-estreou em Curitiba na última terça-feira (28), no Espaço Itaú, localizado no Shopping Crystal. Com a sala lotada, a sessão teve a presença das atrizes curitibanas estreantes Tifanny Dopke e Nathalia Garcia e também do ator Giovanni de Lorenzi (Deus Salve o Rei), além, claro, da equipe de produtores, editores, figurinistas e som. Confira a seguir a entrevista com os atores:

O longa chocou quem estava presente e a reação pode ser a mesma para quem for assisti-lo neste final de semana. A sessão terminou com aplausos em pé.

Crítica

Cena do filme "Ferrugem". Foto: Divulgação/Olhar Distribuidora
Cena do filme “Ferrugem”. Foto: Divulgação/Olhar Distribuidora

Ferrugem é um drama agonizante, reflexivo e traumático. Aly Muritiba consegue trazer nas telas um assunto tão presente do cotidiano que ainda é esquecido por muitos pelo simples fato de sempre a atenção está nas notificações do WhatsApp, nas curtidas nas fotos do Instagram ou aquele estalqueamento” no perfil do Facebook.

Dividido em duas partes, “Ferrugem” é esteticamente brilhante, sonoramente perturbante, causando sensação de inquietude. A dinâmica entre os atores são ótimas, o crescimento dos personagens são nítidas, a sutileza na atuação é sempre presente.

O filme traz um sentimento de ansiedade, de ódio, de amparo. Muritiba entrega uma obra que supera o filme mais conhecido de sua carreira, “Para Minha Amada Morta” (2016). E é por isso que eu espero que “Ferrugem” seja o representante do Brasil no Oscar 2019.. E é por isso que eu espero realmente que “Ferrugem” seja o representante do Brasil no Oscar 2019.

E como diz Aly Muritiba, “Oxalá”.

Ah! E sobre a minha corrida de Uber, Gustavo me fez chegar ao destino cinco minutos antes do previsto. Se alguém conhece um motorista de aplicativo com este nome, que dirige um EcoSport Branco e com sotaque catarinense, diz que o avaliei com cinco estrelas.

“Ferrugem” estreia nesta quinta (30), no cinemas de Curitiba.

Avaliação: ⭐⭐⭐⭐
Pra quem gosta: drama/suspense
Pra assistir: com amigos, família ou sozinho
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