Nos últimos dias uma imagem futurista invadiu os noticiários. Impossível ignorar os 500 mil espelhos curvos de 12 metros de altura perfeitamente alinhados na vastidão do deserto do Saara. Enquanto o Brasil batia tambores e sambava no Carnaval, o governo do Marrocos colocava em operação a Noor 1, primeira etapa de um ambicioso projeto para produção de energia solar no Marrocos e na África.
E o que nós temos a ver com isso? Tudo e nada ao mesmo tempo. Nada porque o ensolarado Brasil – Curitiba não está nessa -, não aproveita o imenso potencial de energia solar. O “tudo” fica por conta da região Nordeste que é considerada a segunda melhor do mundo para captação de energia solar. Só perde para o Saara, quem diria. A meta do governo marroquino é criar o maior parque de energia solar do mundo até 2018 e fornecer energia para 1 milhão de casas, além de exportar o excedente para a Europa.
Vamos lá: o sertão da Paraíba, que teria as condições ideais para receber uma usina solar deste porte, tem cerca de 3,9 milhões de habitantes. Quando concluído, o parque solar do Marrocos vai gerar 500 Megawatts. Seria necessário, portanto, um complexo um pouco maior para suprir a Paraíba só com energia solar, já que a sua demanda seria de 633 Megawatts.
Os críticos poderiam argumentar que a criação deste parque tomaria muito espaço além de ser muito cara. Vamos por partes. Espaço não é exatamente o problema da Paraíba. Supondo que sejam necessários colocar 3 milhões de espelhos de energia fotovoltaica de Quarzazate, tomaria o espaço equivalente a somente 0,09% do território da Paraíba.
Com relação a custos, a energia solar não é barata. O projeto marroquino deverá custar R$ 7,5 bilhões. Mas isso é questão de prioridade. O Brasil gastou em torno de R$ 9 bilhões para construir os estádios da Copa do Mundo, muitos deles abandonados.
Mas o problema do Nordeste não é falta de água? Sim, com certeza! Mas com energia abundante é possível instalar bombas para puxar água dos poços. Atualmente existe um programa tímido do Exército Brasileiro que faz exatamente isso. Além disso, com energia na tomada, fica fácil instalar um sistema de irrigação para agricultura de subsistência. Até instalar máquinas que produzem água a partir da umidade do ar, criada por uma empresa de São Paulo, não requer esforço nem prática.
Um projeto desta envergadura daria autonomia ao sertanejo, dignidade e cidadania. Só que aí acabariam os currais eleitorais, o voto de cabresto, o coronelismo. Será que as autoridades querem isso?
Miguel Ângelo de Andrade é jornalista.