Reinaldo Capela andava meio estranho, taciturno. Até aí tudo bem, porque a vida é assim mesmo. Tem dias que o alto astral da gente está do tamanho do Monte Everest, mas tem outras ocasiões que fica lá embaixo, rasteiro. Se for medir não fica na estatura de uma ervilha. É a montanha-russa da vida e a gente luta sempre pelo equilíbrio.
Mas calma aí! Estamos falando de Reinaldo Capela. Vamos deixar bem entendido que Capela não é sobrenome, mas apelido. Quando Reinaldo percebia que a situação ia acabar mal, representava um beco sem saída, uma sinuca de bico, ele decretava: “Aí é Capela!” E assim o apelido colou.
Com Capela não havia tempo quente. Marrento, metido à craque de futebol e ás da sinuca, estava sempre de bom astral, tremendo tirador de sarro dos colegas na firma. O pessoal de pavio curto, tinha que desviar dele nos dias que acordava de mal com vida, porque o homem não perdoava. Se o Corinthians ganhava então, aí ele deitava e rolava.
Não perdoava nem o chefe rubro negro de quem ganhou uma caixa de cerveja numa aposta de futebol. O chefão tratou de esperar quase todo mundo ir embora, tentando evitar os chistes de Capela, mas não teve jeito. Quando colocou a mão na caixa de Bohemia, Capela saiu corneteando e ainda reclamou que a cerveja não estava gelada. Quem presenciou a cena mandou boletim para a Rádio Peão e no outro dia o assunto estava de boca em boca na firma.
E o Capela só curtindo, falando ao contrário e mandando ver gírias que eu acho que era ele mesmo que inventava. “E aí, Guelmi?” Este “Guelmi” no caso sou eu, Miguel. Ele gostava de falar ao contrário porque assim podia fazer piada na presença das suas vítimas sem que elas percebessem. E arrematava com a saudação: “última tese?”, ao mesmo tempo em que estendia a mão para cumprimentos que duravam minutos de tantas firulas.
Mas agora Capela estava mudado. O primeiro sinal veio do Facebook. Seu perfil sempre repleto de piadas politicamente incorretas, agora estava limpo. Também não postava mais na linha do tempo dos amigos fotos impublicáveis. Não era pornografia, mas escrachos que ele tinha o trabalho de dar um jeito de escrever o nome dos amigos para colocá-los em maus lençóis. Eu mesmo tive que bloquear suas publicações.
De repente tudo isso parou. Eu pensei que ele tivesse ido embora. Sabia que era solteiro e poderia ter recebido uma proposta de emprego fora da cidade. Não seria difícil imaginar Reinaldo Capela como um expatriado. Com a facilidade que ele tem de se relacionar poderia fazer amigos em qualquer lugar do mundo.
Mas eu estava enganado. Quem “deu a letra” (já que estamos falando do Capela), foi o Cláudio Doggy, amigo comum. “Não sabia? O Capela casou”, disse. Fiquei abismado. Perguntei no impulso: “Contra quem?”. Doggy explicou que se tratava de um amor antigo, um relacionamento de mais de uma década que o Capela mantinha sob sigilo.
Acredito que seu temor era que o feitiço virasse contra o feiticeiro porque ele era o primeiro a debochar quando um casado declinava de um convite de sair para noite com o pessoal da firma. “O problema é a bola de ferro presa nos pés”, escarnecia. Não adiantava o sujeito ponderar porque ele lascava em cima. “Vai lá pedir alvará que nós vamos guardar uma gelada para você”.
E agora por ironia do destino era o Capela que estava todo comportado dando uma bom de moço, se recusando até interagir com os amigos no Facebook. Nunca duvide de uma mulher, especialmente da noiva do Capela, que levou 15 anos pelo que consta para domar a fera. Não sei se o Reinaldo Capela está sofrendo e pelo jeito nunca saberei por que acho que ele jamais entregará o jogo. Mas se estiver com saudade do seu antigo estilo de vida que se espelhe no pensamento de Marcel Proust, segundo o qual “amar é querer bem quem nos faz sofrer”.
Mas eu acredito que estes lances melodramáticos não combinam com a personalidade sempre alegre de Capela. Mesmo assim nosso jovial amigo não quis saber de brincar quando o assunto são as coisas do coração., E é assim mesmo, quando a pessoa se apaixona não tem jeito: aí é Capela!