“Marcha soldado, cabeça de papel, se não marchar direito vai preso no quartel”. O trecho desta antiga cantiga de roda sempre me vem à cabeça quando me lembro do meu amigo Marcos Cinzel. Ele nunca se adaptou à dura rotina de disciplina dos quartéis, um rito de passagem obrigatório na vida de boa parte dos rapazes. Não era por questão de ideologia, nunca foi engajado em nenhum movimento de esquerda. Mas o caso era que não suportava a ideia de ter que ficar obedecendo ordens.
Engraçado que tem gente exatamente o oposto. Meu amigo J. Bressan, por exemplo – por sinal amigo comum do Edilson Pereira -, tem verdadeira devoção pelo Exército. Em todos os feriados de Sete de Setembro, Dia da Pátria, desfila orgulhoso no seu jipe, uma réplica exata do que é usado pelos militares. E vejam a ironia do destino: J. Bressan nunca serviu o Exército.
Já Marcos Cinzel só estava dentro de uma farda porque o serviço militar era obrigatório. E como não conseguia se livrar dela praticava seu esporte preferido: partia para o deboche, a galhofa. Fazia paródia com os hinos e enfurecia os oficiais. Como na caserna, toda rebeldia é punida, ele pegava cana direto e não podia sair nos finais de semana.
Ele não admitia, mas acho que a intenção era cavar uma expulsão para sair logo daquela vida. Se o plano era esse ele foi por água abaixo no dia que Marcos Cinzel subiu em um tanque em movimento trajando só uma ceroula e desfilou pelo quartel mostrando as partes e cantando versões impublicáveis dos hinos.
O sargento Duarte ficou uma fera. Pegou o piloto do tanque e Cinzel e deu uma instrução especial só para eles: marcha de 32 quilômetros, centenas de flexões e limpeza dos banheiros por duas semanas. Só para constar, o sargento era conhecido no quartel como o “Diabo loiro”.
Para um soldado raso, pior do que estar sob as ordens de um oficial sádico é ter este oficial prestando atenção nele. E foi o que Cinzel conseguiu com o episódio. O “Diabo loiro” tomou como um desafio pessoal enquadrar aquele “meliante”.
Mas nem assim Cinzel aliviava. Uma noite foi até o dormitório dos oficiais, pegou um copo de plástico cheio de água, colocou com todo cuidado no peito do sargento. Na saída berrou: “Fogo”. O cara se molhou inteiro. O sargento ameaçou deixar o regimento inteiro fazendo flexões um dia inteiro caso não apontassem o responsável. Cinzel resolveu assumir a culpa para alegria de todos, inclusive do sargento.
Cinzel se recordava que foi a época que ele esteve em melhor forma em toda a sua vida, porque foi obrigado a fazer tantos exercícios e por tanto tempo que virou um mister Fitness sem querer. Mas foi o tempo que mais sentiu dores musculares também.
Mas não se arrependia, nem abria mão de aprontar das suas. Um dos fatos mais engraçados ocorreu quando estava próximo de dar baixa do serviço militar. Certa noite em seu turno de guarda decidiu encostar a cabeça no muro e tirar um cochilo. Não pensou que dormiria de pé, mas dormiu e sentiu alguém batendo nas costas. Pensou consigo que só podia ser o sargento Duarte e de fato era o próprio. Pensou como sair daquela e disse sem olhar para o oficial: “Mas livrai-nos do mal, amém”. Fez o sinal da cruz e em seguida prestou continência. O sargento sorriu e disse: “Conta outra, Cinzel”.
Faz tempo que não encontro Marcos Cinzel. Há alguns anos, lembro de ter visto uma foto sua no carnaval de Antonina. Estava de puxador de samba de uma escola. Pensei que tinha tudo a ver com ele. Ultimamente, pelo que me contaram está envolvido com capoeira. Já é quase mestre na arte. Acho que agora ele descobriu o seu lugar no mundo.