A eleição municipal tinha acabado de ocorrer, prefeitos e vereadores estavam devidamente empossados e agora era mergulhar no trabalho, afinal de contas o eleitor estava de olho. Naquela cidade da Grande Curitiba, o grupo de nove vereadores eleitos fazia a primeira reunião e o momento era o de definir a quem caberia tocar as comissões. Quem conta a história é meu amigo Theodoro K., que trabalhou anos como assessor técnico do legislativo.
Já haviam nomeado os titulares da Comissão de Constituição e Justiça, de Meio Ambiente e era a vez de escolher o responsável pela Comissão de Finanças. O presidente da Mesa então disse: “Bugrinho do Café, você foi escolhido para assumir a Comissão de Finanças”, decretou.
Bugrinho do Café ganhou este apelido porque havia trabalhado muitos anos como ensacador da preciosa bebida em Londrina. Theodoro disse que não sabia como ele havia conseguido se manter tanto tempo na profissão, já que era um homem miúdo. Eu ponderei com Theodoro que lutadores de boxe peso pena são pequenos, de pouca envergadura, mas batem feito gente grande. Theodoro riu e me chamou à realidade: “Sabe físico de jogador de baralho? Pois é, desse jeito”.
O fato é que Bugrinho se mudou para a Grande Curitiba e se aventurou na política. Na primeira vez que concorreu ganhou e havia virado “otoridade”, como dizem por aí. Quando o presidente da Câmara jogou a responsabilidade da Comissão de Finanças no seu colo, Bugrinho deu um pulo da cadeira visivelmente transtornado, assustando todos os presentes e só dizia: “De jeito nenhum”. Parecia um disco riscado.
O presidente quis saber por que ele não aceitava, afinal tinha que constar em ata o motivo da recusa. Foi então que Bugrinho perdeu o medo e disse: “Olha, não quero nenhuma comissão, vou deixar esta grana pro meu amigo vereador Elói Grandão, que ajudou a me eleger. A próxima comissão aí eu pego”. Todos desataram a rir e não foi fácil explicar para o Bugrinho que as comissões não eram para forrar o bolso, pelo menos não daquela vez.
O episódio não representou o fim da carreira política de Bugrinho. Ele foi reeleito com um pé nas costas quatro anos depois, justamente por ser um sujeito alheio às coisas, amigo de todos, sobretudo do eleitor com quem fazia qualquer negócio, desde sentar e tomar uma cerveja, até levar um parente ao médico.
Theodoro coleciona estas histórias de bastidores da política. Já lhe disse que deveria escrever um livro, mas ele acha que não viverá tanto tempo assim, porque pensa que antes de lançar o material teria que esperar que os protagonistas partissem desta para melhor.
Mas a conta-gotas ele revela algumas coisas. Quando passou pela Assembleia Legislativa presenciou uma situação que o marcou profundamente. Estava ocorrendo uma reunião em uma das lideranças da Casa. O clima era de animação e otimismo porque a atuação parlamentar estava fustigando o governante de plantão e a ressonância do trabalho na opinião pública era muito boa.
O momento era de atingir o grande público e os funcionários apresentavam orçamentos para levar a cabo um ambicioso projeto de divulgação. Foi quando o parlamentar jogou um balde de água fria no animado grupo. “Eu acho que não vamos conseguir esta verba, porque eles (os deputados) brigam até por 100 reais”. Ou seja, cada um preferia aplicar o dinheiro em seus projetos de reeleição e não sobrava nada.
Theodoro ficou estarrecido. Deputados ganham muito, mais de R$ 100 mil por mês contando com todas as verbas de representação e auxílio disso e daquilo. Não entrava em sua cabeça por que tanta mesquinharia.
Devia ser por isso que a cada abertura de sessão era invocada a proteção de Deus. Ecoava no autofalante: “Sobre a proteção de Deus…” Quando ouviu aquilo pela primeira vez Theodoro pensou que haveria um debate abordando teologia na Casa, mas quando chegou ao plenário não encontrou nenhum enviado do Vaticano ou um prelado que fosse. Era só o dirigente da Mesa que sempre confundia “sobre” com &,ldquo;sob”. Mas isso não era problema porque ninguém prestava atenção mesmo. Pela ordem!