A arte de dobrar pizzas e devorar hambúrgueres

Quando Sálvio Maichaky me contou essa história quase não acreditei. Mas o polaco falou muito sério e depois outros corroboraram com a versão, de forma que não tive outra saída senão tomá-la por verdadeira.

Aconteceu em uma das longas jornadas da editora. Era final de semana e as equipes corriam contra o tempo para tirar mais uma volumosa edição de domingo, com seus vários cadernos. Três turnos corridos e no adiantado da hora quando a fome apertava o pessoal pedia comida porque saco vazio não para em pé.

Jorjão e Osvaldinho eram conhecidos do disk pizza pela assiduidade com que usavam o serviço. Sálvio Maichaky disse que naquela noite também estava varado de fome e pensou em pedir uma pizza, mas quando passou pela cantina improvisada – uma espécie de corredor que dava para lugar nenhum, já que terminava numa parede -, viu que Jorjão e Osvaldinho já estavam com duas pizzas grandes.

“Pensei comigo, última forma: vou pegar copo para o refrigerante e janto com eles. Dá e sobra para todos”, narrou o polaco. Não foi uma boa ideia. Minutos depois quando ele voltou com o copinho na mão, conduzido pelo aroma inebriante das deliciosas redondas testemunhou uma cena inesquecível. Jorjão e Osvaldinho seguravam as pizzas inteiras nas mãos. Para facilitar a empreitada, dobraram em duas, tipo sanduíche e mandaram ver. Em poucos minutos, adeus pizzas!

Quando ouvi esta história, lembrei-me dos personagens do livro de François Rabelais, os gigantes Pantagruel e seu pai Gargântua. Pantagruel era dotado de uma força descomunal, que só não era maior do que seu apetite incomensurável. Rabelais usava a comilança desenfreada dos gigantes e seu gosto pelos demais prazeres mundanos, para fazer uma crítica feroz à sociedade da época.

Mas estas metáforas não incluem os bons garfos, como Sálvio. Já fomos juntos a jantares no Madalosso. Eu também sou um bom gourmet e chegado numa pizza, mas nunca consegui comer uma inteira. E não tenho isso como meta porque sabe como é: o peixe morre pela boca. E os médicos nunca deixam de nos lembrar disso.

E não sem razão. Osvaldinho, um dos heróis da pizza dobrada, por exemplo, já não está entre nós. Morreu de repente antes de completar 40 anos. Jorjão está vivo, mas teve que deixar de ser glutão e se afastar da dieta viking.

“Agora o homem só está na alimentação leve. Difícil de acreditar que ele desapegou das gordices e não teve recaída”, disse Sálvio. Achei curioso o fato de Sálvio saber tanto assim da rotina de Jorjão, que se afastou há anos do grupo. “Você fala isso por causa das pizzas? Pode ser só uma coisa episódica, aconteceu uma vez e pronto”, ponderei.
Sálvio deu uma risada de deboche. “Você está vendido nesta história. Esses dois são monstros”, disse. Ele foi logo contando que antes do episódio das pizzas, Jorjão e Osvaldinho foram contratados para montar um maquinário numa cidade do interior do Estado. Trabalho pesado, tinha que quebrar a cuca para encaixar as peças, era serviço de craque, extremamente desgastante. Logo, descobriram uma lanchonete muito jeitosa perto da fábrica. Chegaram lá mortos de fome. Pediram dez X saladas. O chapeiro se assustou e perguntou para ter certeza. “São dez xis?”, disse meio sem jeito. Jorjão respondeu convicto: “Isso, dez para cada um”. O chapeiro suou para montar os lanches, que foram prontamente devorados pela dupla, contou Sálvio.

Durante o período que durou a montagem do maquinário, Jorjão e Osvaldinho se tornaram fregueses. “A lanchonete ficava numa subidinha e quando o chapeiro via Jorjão e Osvaldinho apontando, forrava a chapa de hambúrgueres para ganhar tempo”, contava Sálvio, entre risos. É de fato engraçado ver como a gente fica caricato ao se entregar aos prazeres da boa mesa.

Não existe culpado nesta história. Às vezes as circunstâncias conspiram contra uma mudança de rotina. Por exemplo, Sálvio explicou que certo dia a dupla Jorjão e Osvaldinho havia almoçado muito bem, o que eu não duvido. E lá pelas 15h resolveram tomar um refrigerante na lanchonete para amenizar o calor. Chegaram e a chapa já estava repleta de hambúrgueres e eles eram os únicos clientes. E o chapeiro disse todo solícito: “Só um minutinho que já sai”!

Quando a dupla explicou que só queria um guaranazinho, o homem caiu no desespero: “E agora? Vou ficar no prejuízo”, vaticinou o chapeiro. Os dois se olharam, deram de ombros e Jorjão lançou o decreto: “Pode montar os lanches que a gente come”. Isso que é solidariedade!

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