Eu me recusei a escolher entre a minha maternidade e a minha carreira.
“Bea, agora que você tá mais de boa, vou te passar esse projeto. Você tinha escolhido priorizar sua maternidade, mas agora vamos lá.”
Eu ouvi essa frase logo depois do meu primeiro aborto. Sim, é tão absurdo quanto parece. Às vezes, o mundo corporativo trata as mães como se elas tivessem que escolher entre maternidade e carreira, como se uma coisa anulasse a outra.
Se as pessoas soubessem que uma mãe não tem nem tempo para ser improdutiva, talvez as coisas fossem diferentes. Talvez o nosso conceito de produtividade esteja culturalmente deturpado. Ser produtivo não é trabalhar 14 horas por dia. Ser produtivo é fazer o máximo dentro do período que é destinado a tal tarefa.
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O que faz uma mãe ser vista como menos capaz ou descomprometida não é sua maternidade. É um problema estrutural de uma sociedade que ainda acredita que a responsabilidade do pai é menor do que a da mãe. Isso começa quando a licença-maternidade é de insuficientes quatro meses e a do pai, uma piada de cinco dias corridos.
Eu tive duas cesáreas. Em cinco dias, eu mal conseguia cuidar de mim sozinha.
Mas a sociedade espera que eu cuide do meu filho sozinha, porque, a essa altura, o pai já deve voltar ao trabalho.
A gente se queixa de que os pais têm dificuldade em criar vínculo com os filhos, mas manda o pai de volta ao trabalho quando o bebê ainda mal abre os olhos.
Depois, tenta compensar com um banho de chuveiro no fim do dia. Mas e se, em vez disso, o pai tivesse tempo real para cuidar do próprio filho desde o início?
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Mas voltando ao assunto, porque hoje o texto é sobre a carreira da mãe.
Depois que tive filhos, meu comprometimento com o trabalho mudou completamente.
Eu não tenho mais tempo para procrastinar. Preciso ser produtiva até as 18h, porque depois eu quero estar com a minha família. Além disso, as crianças vão com frequência ao médico e tomam vacinas. Tudo precisa estar em ordem para que eu possa acompanhar essas coisas também.
Eu não posso ser irresponsável com meu trabalho, porque é dele que vem o dinheiro que paga a escola, o remédio, o plano de saúde ou qualquer outra coisa dos meus filhos. Quando a gente vira mãe, não tem mais espaço para isso.
Não faz sentido insinuar que uma pessoa sem filhos é mais comprometida ou pode trazer melhores resultados do que uma mãe.
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O que precisa ser pensado é na responsabilidade do pai e da sociedade como um todo na criação de uma criança. Pai tem que dividir os cuidados com a mãe. A licença-paternidade e a licença-maternidade precisam ser repensadas.
A carga mental materna está errada. A sobrecarga invisível é o problema. A suposta “incapacidade materna” não existe.
Eu sou uma dessas mães que escolheu voltar ao trabalho com dois filhos pequenos. Escolhi fazer isso pelo conforto da nossa família e pela minha saúde mental.
Tem um lugarzinho no céu reservado para as mulheres que cuidam da casa e dos filhos, optando por não seguir com uma carreira profissional.
Mas a minha escolha foi diferente.
Escolhi seguir com a minha carreira em tecnologia, que é tão importante para mim. Escolhi esse desafio enorme porque é o que me faz feliz. E, como diria o meu marido: “mamãe feliz, vida feliz”.
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Não tem certo ou errado quando o assunto é trabalhar fora ou não com filhos pequenos. O que é errado é aceitar uma estrutura que não acolhe, que trata as mães como erradas, que permite que os pais não arquem com suas responsabilidades ou que não dá opções para as mães.
Isso está errado.
Na minha entrevista de trabalho, eu disse: “Eu sou a Beatriz: product manager, mãe do Bernardo e da Laura.” Me recusei a omitir essa informação. Me recusei a aceitar um trabalho que não me fizesse sentir completamente confortável como profissional e como mãe.
Queria que essa fosse a realidade de todas as mães por aí. Mas enquanto não for, que pelo menos a gente pare de aceitar esse sistema que nos trata como menos.
Se esse texto fez você refletir um pouquinho sobre isso, já valeu a pena.