A legislação constitucional e infraconstitucional, com as evoluções sociais, também sofre alterações, criando e extinguindo conceitos e institutos. A extinção da separação perante a ordem constitucional é um dos exemplos mais atuais e que nos trouxe diversas situações de dúvida.
O tema não se encontra maduro, sendo que ainda não há jurisprudência consolidada acerca do fim do instituto da separação.
Por outro lado, a doutrina é rica nos mais diversos posicionamentos para o mesmo ponto.
PROPOSIÇÃO: O pleito de separação judicial constitui pedido juridicamente impossível e que também revela a ausência de interesse processual.
JUSTIFICATIVA: A Emenda Constitucional n.º 66 de 2010 alterou o texto do art. 226, §6º, da Constituição da República excluindo o instituto da separação do ordenamento jurídico, subsistindo tão somente a figura do divórcio em suas três modalidades: judicial consensual, litigioso e consensual administrativo. Tal alteração legislativa representa a perfeita cisão entre o direito e a religião, posto que o divórcio imediatamente reconhecido (fim do relacionamento) não implica no fim da família, uma vez que esta transcende tal instituto, já que irá se apresentar em uma nova modulação, característica própria da família contemporânea. Tratando-se de norma constitucional de eficácia plena, nem se diga da necessidade de regulamentação da alteração constitucional, posto que o instituto do divórcio se encontra devidamente contemplado na legislação pátria. Como efeito direto de tal alteração, os requisitos objetivos e subjetivos para a ocorrência do divórcio não subsistem, vale dizer, não há mais a necessidade da prévia separação (seja judicial ou consensual) por dois anos (prazo para o divórcio), bem como da investigação da culpa. Também, a separação consensual é inadmissível, posto que não se justifica pela mera liberdade de opção, eis que mantida a opção da separação de corpos. Processualmente falando, pode- se dizer que as Ações de Separação intentadas, devem ser readequadas, pena de extinção do feito pela impossibilidade jurídica superveniente (pois o instituto da separação não mais encontra previsão no ordenamento jurídico) e pela falta de interesse processual (muito embora haja a eminência de dano ao direito material, o meio processual não se apresenta adequado para alcançar o intento). Acerca da conceituação da impossibilidade jurídica do pedido e interesse de agir processual, ver JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. V. I, 41. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.53/56).
Ensina CÉSAR LEANDRO DE ALMEIDA RABELO:
“O Congresso Nacional promulgou em 13 de julho de 2010 a Emenda Constitucional nº 66, com vigência imediata, possibilitando que qualquer dos cônjuges, independente de demonstração de culpa, separação prévia e a qualquer tempo, requeira o divórcio imediato.
(…)
A evolução legislativa do ordenamento pátrio baseia-se no princípio da interferência mínima do Estado na autonomia privada, na intimidade e liberdade do indivíduo.
(…)
Existe uma resistência em compreender e aceitar que a separação judicial foi revogada tacitamente de nosso ordenamento. Fazendo uma interpretação da norma constitucionalizada, concluiremos que o legislador baniu da Carta Magna a única referência à separação judicial, não havendo qualquer lógica para sua manutenção prática.
Juridicamente, a manutenção da separação judicial no ordenamento jurídico era, exclusivamente, para convertê-la em divórcio após o transcurso do prazo legal, o que não é mais possível de acordo com a nova redação trazida pela Emenda Constitucional nº 66/2010. Assim, incoerentemente, teriam os mesmos que ajuizar ação de divórcio direto para conseguir o divórcio, uma vez que a conversão não mais recebe a tutela constitucional.
Aqueles procedimentos de separação que estavam em andamento foram convertidos mediante comunicação prévia e manifestação de interesse das partes. Não havendo concordância do autor com conversão, enseja a extinção do procedimento por impossibilidade jurídica do pedido de separação.
Essa evolução legislativa demonstra, principalmente, a redução da interferência Estatal, social e religiosa na autonomia privada, proporcionando a possibilidade de um recomeço da vida afetiva aos cônjuges, independentemente do transcurso de qualquer prazo legal, não mais os obrigando na manutenção de um casamento desprovido de afeto e felicidade.”
(Separação e a Emenda Constitucional nº 66/2010: Incompatibilidade legislativa. IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Publicado em 02/08/2011. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/Separa%C3%A7%C3%A3o%20EC%2066_2010.pdf. – Acessado em 13/03/2011)
Argumenta DIMAS MESSIAS DE CARVALHO:
“A recente EC nº 66/2010 deu nova redação ao art. 226, §6º, da Constituição Federal, passando a dispor que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
Com a nova regra constitucional, diversas interpretações para sua aplicação surgiram, destacando-se três entre elas:
a) não existe mais separação jurídica, aplicando-se o divórcio direto sem exigência de prazos e discussão de causas;
b) continua existindo a separação jurídica, judicial e administrativa, coexistindo com o divórcio direto sem exigência de prazos;
c) aplica-se a legislação ordinária no divórcio e a separação jurídica, exigindo-se os mesmos requisitos (prazos e causas), já que a EC 66/2010 apenas prevê que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio.
Os defensores de cada uma das correntes apresentam fundamentos consistentes para suas conclusões e enquanto não ocorrer um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em última instância ou alteração na legislação ordinária, a questão certamente não será pacificada.
Na Comarca de Lavras/MG, atendendo requerimento do Ministério Público, o juiz da 1ª Vara Cível, Núbio de Oliveira Parreiras, determinou nas ações de separação judicial em andamento a intimação das partes autoras para readequarem o pedido para divórcio, em razão da EC nº 66/2010. Numa das ações a autora da separação litigiosa manifestou desinteresse no divórcio e requereu o prosseguimento da separação judicial.[1]
(…)
A decretação do divórcio, por outro lado, não veda aos ex-cônjuges reconciliarem, casando-se novamente nas mesmas condições do casamento anterior, o que seria até mais romântico, reafirmando o compromisso de cumprir os deveres conjugais. Não se justifica a manutenção da separação jurídica apenas em razão da reconciliação, diante da possibilidade de casarem-se novamente.
Por fim, o prazo para reflexão pode facilmente ser solucionado pela separação de corpos, regularizando a saída de um dos cônjuges do lar, como já era amplamente utilizada quando o casal pretendia separar-se consensualmente e não possuía o lapso temporal de um ano de casados. A separação de corpos determina ainda a data em que se cessou a convivência dos cônjuges, pondo fim ao regime de bens, como expressamente dispõe o artigo 1.683 do Código Civil. A jurisprudência também, por unanimidade, já considera que na separação de fato não existe sociedade conjugal e consequente comunhão dos bens adquiridos pelos cônjuges.
Assim, sob qualquer ótica que se examine a separação jurídica em face da EC nº 66/2010, não existe outra conclusão: a separação jurídica não foi recepcionada pela EC nº 66/2010, restando abolida do ordenamento jurídico brasileiro, devendo, no caso concreto, ser extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, por impossibilidade jurídica superveniente constitucional.”
(Caso Concreto: Emenda do Divórcio (EC nº 66/2010) e Separação Judicial em Andamento – Parecer do Ministério Público. IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Publicado em 14/09/2010. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=675 – Acessado em 13/03/2011)
Acerca do tema, vale transcrever a doutrina de RODRIGO DA CUNHA PEREIRA:
“A Emenda produz três efeitos básicos: acabar com os prazos para divórcio; acabar com a separação judicial e, consequentemente, acabar com a discussão da culpa. Essa foi a intenção do IBDFAM ao propor a emenda e é justamente o que consta da justificativa.
(…)
Há duas correntes entre aqueles que defendem a manutenção da separação. Uma delas entende que continua existindo a separação litigiosa. A segunda corrente, majoritária nessa minoria, entende que existe a separação judicial consensual como opção. Nessa caso, argumenta-se em favor da liberdade daqueles que desejam simplesmente a separação. Mas esse argumento não se sustenta porque existe a separação de corpos judicial ou extrajudicial, que foi, inclusive, revalorizada com a nova lei. Mas o que sustenta esse argumento é muito mais um discurso moral e religioso do que propriamente um discurso jurídico.
(…)
O texto não diz expressamente que acabou a separação, mas este conteúdo está implícito nos pareceres que balizaram as discussões e votação nas duas casas legislativas, suprimido de vez o anacrônico instituto da separação. (…)“
(Liberdade, ainda que tardia. Boletim IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. n.º 64, ano 10, set./out., 2010, p. 4)
A Jurisprudência ainda é escassa e diversa sobre o tema. Podemos destacar os seguintes entendimentos jurisprudenciais:
“CIVIL. DIVÓRCIO LITIGIOSO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ARTIGO 267, INCISO VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. EC 66/2010. SUPRESSÃO DO INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO.
A aprovação da PEC 28 de 2009, que alterou a redação do artigo 226 da Constituição Federal, resultou em grande transformação no âmbito do direito de família ao extirpar do mundo jurídico a figura da separação judicial.
A nova ordem constitucional introduzida pela EC 66/2010, além de suprimir o instituto da separação judicial, também eliminou a necessidade de se aguardar o decurso de prazo como requisito para a propositura de ação de divórcio.
Tratando-se de norma constitucional de eficácia plena, as alterações introduzidas pela EC 66/2010 tem aplicação imediata, refletindo sobre os feitos de separação em curso.
Apelo conhecido e provido.“
(TJDFT, 20100110642513APC, Relator ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, DJ 07/10/2010 p. 221)
“Apelação cível. Separação consensual. Extinção do processo sem mérito sob o fundamento de ausência superveniente do interesse de agir. Autores assistidos pela Defensoria Pública desde a propositura da ação. Necessidade de intimação do defensor na forma do art. 5º §5º da Lei 1060/50. Exigência de intimação pessoal das partes que outrossim a lei impõe em caso de abandono da causa por mais de trinta dias, à inteligência do art. 267, §1º, do Código de Processo Civil. Entendimento jurisprudencial pacificado. Apelo provido na forma do art. 557, §1º- A, CPC.”
(TJRJ 0001226-68.1999.8.19.0067, DES. CRISTINA TEREZA GAULIA – Julgamento: 18/11/2010 – QUINTA CAMARA CIVEL)
“SEPARAÇÃO JUDICIAL. VIABILIDADE DO PEDIDO. NÃO OBRIGATORIEDADE DO DIVÓRCIO PARA EXTINGUIR A SOCIEDADE CONJUGAL.
1. A Emenda Constitucional nº 66 limitou-se a admitir a possibilidade de concessão de divórcio direto para dissolver o casamento, afastando a exigência, no plano constitucional, da prévia separação judicial e do requisito temporal de separação fática.
2. Essa disposição constitucional evidentemente não retirou do ordenamento jurídico a legislação infraconstitucional que continua regulando tanto a dissolução do casamento como da sociedade conjugal e estabelecendo limites e condições, permanecendo em vigor todas as disposições legais que regulamentam a separação judicial, como sendo a única modalidade legal de extinção da sociedade conjugal, que não afeta o vínculo matrimonial.
3. Somente com a modificação da legislação infraconstitucional é que a exigência relativa aos prazos legais poderá ser afastada. Recurso provido.” (Agravo de Instrumento Nº 70039285457, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 29/10/2010)
DECISÃO EM DESTAQUE
De nossa Corte de Justiça, estamos destacando o brilhante voto proferido pela 11º Câmara Cível do TJPR, na Apelação Cível n° 803.244-0, de relatoria do Juiz Substituto em 2º Grau FERNANDO PRAZERES, substituindo a Desembargadora VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE, julgado em 8 de fevereiro de 2012:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 803.244-0 DA COMARCA DE LONDRINA – 2ª VARA DE FAMÍLIA E ACIDENTES DO TRABALHO
Agravante: L. P. C. C.
Agravado: P. H. C.
Relator: Juiz Conv. Fernando Prazeres (em substituição à Desª. Vilma Régia Ramos de Rezende)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL – EMENTA
CONSTITUCIONAL Nº 66/2010 – EXTINÇÃO DA SEPARAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – INTIMAÇÃO DAS PARTES PARA SE MANIFESTAREM ACERCA DA CONVERSÃO DA AÇÃO EM DIVÓRCIO – AUTOR QUE CONCORDA E RÉ QUE PUGNA PELO PROSSEGUIMENTO DO FEITO – DECISÃO QUE DETERMINA A CONVERSÃO – NÃO APLICAÇÃO DO ARTIGO 264 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL POR SE TRATAR DE ALTERAÇÃO DA BASE NORMATIVA – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À AGRAVANTE – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL E DA CELERIDADE – RECURSO DESPROVIDO.
Vistos, etc.
I – RELATÓRIO
Busca o agravante a reforma de decisão judicial que determinou a conversão da ação de separação judicial litigiosa em divórcio litigioso, tendo em vista a superveniência da Emenda Constitucional nº 66 de 2010.
Alega para tanto que o agravado ajuizou ação de separação judicial litigiosa ao argumento de que abandonou o lar por incompatibilidade na continuidade da vida em comum.
Afirma que concordou com a separação, contudo, sustenta que o motivo para o abandono seria, em verdade, a existência de relacionamento extraconjugal mantido pelo agravado.
Diz mais:
– após a promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010, a juíza a quo consultou as partes sobre a concordância em converter a demanda para divórcio direito litigioso, diante da impossibilidade jurídica do prosseguimento do feito;
– o agravado concordou e requereu a conversão, enquanto de sua parte, houve manifestação contrária a tal medida;
– mesmo sem a sua concordância, o juiz a quo converteu a demanda por entender que a separação judicial não mais existiria no ordenamento jurídico;
– discorda da decisão, pois a separação judicial não foi extinta, apenas deixou-se de exigir o prazo de dois anos para se desconstituir o vínculo conjugal.
No mais, afirma que a inexistência de revogação tácita dos artigos que tratam da separação no Código Civil, eis que a Emenda Constitucional nº 66/2010 não regulou referida matéria, nem mesmo é incompatível com o que dispõe o diploma civil.
Ressalta que houve ofensa ao artigo 264 do Código de Processo Civil, pois o pedido foi modificado sem sua anuência.
Por fim, pugna o prosseguimento da demanda como separação judicial litigiosa ou a extinção do processo sem julgamento do mérito, diante da ausência de seu consentimento para a conversão da ação. Recebido o recurso às fls. 104/107, o efeito suspensivo foi concedido.
Em contrarrazões, o agravado manifesta seu acordo com decisão recorrida, pugnando seja ela mantida (fls.118/124).
A d. Procuradoria de Justiça opinou pela confirmação da decisão (fls. 43/51).
É o relatório.
II – VOTO
O recurso não comporta provimento.
A controvérsia principal versa sobre a permanência do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico diante da promulgação da Emenda nº 66/2010.
Em 13 de julho de 2010 entrou em vigor a Emenda Constitucional de nº 66, que promoveu a alteração do artigo 226, § 6º da Constituição Federal, trazendo o seguinte texto:
“O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio“.
Trata-se de norma de aplicabilidade imediata, eis que não impõe qualquer condição para sua eficácia, tampouco exige norma infraconstitucional para complementá-la, como bem esclarece o jurista Flávio Tartuce em tópico destinado à referida Emenda (Manual de Direito Civil, 2011):
“A inovação tem aplicação imediata, como norma constitucional autoexecutável. Desse modo, não há a necessidade de qualquer ponte infraconstitucional para a sua eficácia, o que está de acordo com a doutrina que reconhece a força normativa da Constituição.”
Também oportuna as lições de Paulo Luiz Netto Lôbo1 acerca do tema:
“No direito brasileiro, há grande consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da força normativa própria da Constituição. Sejam as normas constitucionais regras ou princípios não dependem de normas infraconstitucionais para estas prescreverem o que
aquelas já prescreveram. O § 6º do art. 226 da Constituição qualifica-se como norma- regra, pois seu suporte fático é precisamente determinado: o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, sem qualquer requisito prévio, por exclusivo ato de vontade
dos cônjuges.”
Diante da alteração da Constituição houve a extinção do instituto da separação judicial. Diversas são as razões para essa conclusão.
Sob o prisma da interpretação sistemática, não pode prevalecer norma infraconstitucional que trate das hipóteses de dissolução da sociedade conjugal se a Constituição expressamente as modificou, restringindo-as apenas ao divórcio.
A separação judicial passou a ser incompatível com o texto constitucional também em razão da finalidade da alteração do texto constitucional.
A modificação foi assim ementada:
“Redação ao parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.”
Extrai-se da referida ementa que não mais se exige a prévia separação como requisito para o divórcio, passando este a ser direto.
Pretendeu-se com isso retirar a necessidade de ajuizar duas ações, desburocratizando o processo de desconstituição do enlace matrimonial, trazendo mais economia e minimizando o sofrimento trazido por este tipo de demanda, tanto em relação ao casal, como também quanto aos filhos.
Assim, a separação, que tinha como escopo final a dissolução do vínculo conjugal, perde a sua razão, já que não é mais requisito necessário a possibilitar a ação do divórcio.
Nesse sentido, oportuno os dizeres de Paulo Luiz Netto Lôbo 2:
“No plano da interpretação teleológica, indaga-se quais os fins sociais da nova norma constitucional. Responde-se permitir sem empeços e sem intervenção estatal na intimidade dos cônjuges, que estes possam exercer com liberdade seu direito de desconstituir a sociedade conjugal, a qualquer tempo e sem precisar declinar os motivos. Consequentemente, quais os fins sociais da suposta sobrevivência da separação judicial, considerando que não mais poderia ser convertida em divórcio? Ou ainda, que interesse juridicamente relevante subsistiria em buscar-se um caminho que não pode levar à dissolução do casamento, pois o divórcio é o único modo que passa a ser previsto na Constituição? O resultado da sobrevivência da separação judicial é de palmar inocuidade, além de aberto confronto com os valores que a Constituição passou a exprimir, expurgando os resíduos de quantum despótico: liberdade e autonomia sem interferência estatal.”
Em abono ao posicionamento acima exposto, seguem as palavras de Flávio Tartuce (Manual de Direito Civil, 2011):
“Em reforço, constata-se que como a finalidade da separação de direito sempre foi a de pôr fim ao casamento, não se justifica a manutenção da categoria se a Norma Superior traz como conteúdo apenas o divórcio, sem maiores burocracias. Não se sustenta mais a exigência de uma primeira etapa de dissolução,se o Texto maior trata apenas de uma outrora segunda etapa.”
Conforme o exposto, a decisão vergastada apresenta-se escorreita, em consonância com a doutrina e também com a jurisprudência, como se pode constatar do julgado abaixo, oriundo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
“CIVIL – CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL EM DIVÓRCIO – EMENDA CONSTITUCIONAL 66/10 – APLICAÇÃO IMEDIATA – ADEMAIS, DECORRIDO O LAPSO TEMPORAL DE UM ANO DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE HOMOLOGOU A SEPARAÇÃO. 1. A emenda constitucional 66/2010 possui aplicação imediata, possibilitando o divórcio direto, sem que seja necessária a decretação da separação judicial. 2.Ainda que assim não fosse, no caso, também decorrido o lapso temporal de um ano de separação judicial, reforçando a conversão da separação judicial em divórcio.(…)”(TJDF – 20100110129832APC, Relator SÉRGIO ROCHA, 2ª Turma Cível, julgado em 10/08/2011, DJ 22/08/2011 p. 79)
Superada esta questão, passa-se a analisar a possibilidade de conversão da ação de separação em divórcio, diante da extinção daquele instituto.
Com a superveniência da Emenda nº 66/2010, o pedido de separação judicial passou a ser juridicamente impossível.
Diante dessa situação, o juízo a quo acertadamente intimou as partes acerca da mudança ocorrida, determinando a manifestação destas sobre a conversão da ação de separação em divórcio.
Em abono a esse posicionamento, oportuno colacionar a jurisprudência a seguir, originária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“Apelação Cível. Ação de Separação Consensual. Sentença que homologou acordo e extinguiu o processo, sem resolução do mérito, com base n o art. 269, II, do CPC. Apelo das partes pretendendo a anulação da sentença para que a ação de separação seja convertido divórcio. Possibilidade. Inteligência da Emenda Constitucional nº 66/2010 que alterou o § 6º, do art. 226, da Constituição Federal. Sentença prolatada após a edição da referida emenda. Sentença que anula para que o feito prossiga, com a intimação das partes para se manifestarem quanto à conversão da separação em divórcio. Precedentes jurisprudenciais. Recurso conhecido e provido, na forma do disposto no artigo 557, §1º-A, do CPC. Decisão Monocrática: (TJRJ – apelação nº 0001377-19.2010.8.19.0206, Relator Des. Sérgio Jerônimo A. Silveira, Quarta Câmara Cível, julgado 22/03/2011)
Intimados os litigantes, o ora agravado concordou com a conversão, enquanto a agravante pugnou o prosseguimento do feito.
Note-se que, embora tenha havido a discordância da agravante, tal fato não é apto a ensejar a extinção do feito e muito menos o prosseguimento da ação de separação.
Isso porque, ao contrário do que aduz, não se trata da situação prevista no artigo 264 do Código de Processo Civil, já que, no caso em comento, houve modificação do contexto legal que embasava o pedido.
Em verdade, cabe apenas ao autor decidir se pretende aderir à nova disposição e, se assim optar, deverá promover a adaptação do pedido ao novo ordenamento.
É esse o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo acerca da matéria, consoante demonstra o excerto abaixo:
“Ante a alteração da Constituição e a não recepção do instituto da separação judicial, restaria violado o princípio do acesso a uma ordem jurídica e célere (incisos XXXV e LXXVIII do art. 5º da CF), se findo o processo com a extinção do feito por falta de interesse de agir ou a improcedência do pedido, devendo o julgamento adequar-se ao novo ordenamento jurídico decorrente da manifestação do Poder Constituinte Derivado. Ressalta-se que não há alteração dos fatos narrados em prejuízo da defesa da parte contrária, conforme acenado com os arts. 264 e 294 do CPC, mas apenas nova configuração jurídica para os mesmos, sendo esta a principal atividade do julgador, aplicar o Direito vigente aos fatos narrados.” (TJSP – 990.10.357301-3, Relator Caetano Lagrasta, 8ª Câmara de Direito Privado, julgado em 10/11/2010, DJ 16/11/2010).
Importante lembrar que, por não se tratar de modificação de pedido promovida de forma espontânea, e sim por força de imposição legal, não há prejuízo à ré.
Apenas em hipótese, fosse o presente feito extinto, o agravado teria de aforar nova ação cujo objeto seria a obtenção do divórcio. Em ambas as situações – alteração do pedido ou ajuizamento de nova ação – a situação da ré seria a mesma.
Exigir o prosseguimento da ação de separação ou sua extinção afiguram-se atitudes opostas ao princípio da economia processual, da celeridade, bem como fogem ao bom senso.
Aliás, vão contra ao intuito da Emenda Constitucional nº 66/2010, que, como bem resumiu Pablo Stolze Gagliano3 é “permitir a obtenção menos burocrática da dissolução do casamento, facultando, assim, que outros arranjos familiares fossem formados, na perspectiva da felicidade de cada um.“
Acertada, portanto, a decisão a quo também neste ponto.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso, revogando a liminar concedida.
III – DECISÃO
Acordam os magistrados integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Presidiu a sessão de julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Augusto Lopes Cortes, Presidente sem voto, o Exmo. Sr. Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Magnus Vinicius Rox e o Exmo. Sr. Desembargador Ruy Muggiati.
Curitiba, 08 de fevereiro de 2012.
FERNANDO ANTONIO PRAZERES
Juiz Convocado Relator”