Venda à prazo pelo preço à vista: uma prática abusiva que deve ser proibida

É característica de nossa sociedade, o intenso fomento ao consumo e faz parte do respeito ao princípio constitucional da livre iniciativa, permitir que os fornecedores promovam ações visando atrair consumidores para a aquisição de seus produtos ou serviços. E neste ponto, ganha relevância o marketing empresarial, com suas estratégias criativas. Uma das mais conhecidas é ofertar produtos e serviços em vários pagamentos, mas supostamente mantendo o preço à vista. Ou seja, para atrair o consumidor, o fornecedor (fabricante ou comerciante) alardeia vender em muitas parcelas mensais (às vezes até uma dúzia ou mais), mantendo exatamente o mesmo preço fixado para pagamento à vista. Parece tentador, mas na verdade, sob várias formas, estas ?promoções? são permeadas de sutil artifício malicioso para enganar aos consumidores.

Na primeira delas, é comum o fornecedor divulgar a promoção, mas diante de uma conversa mais detida e detalhada, aquele que paga tudo no ato da aquisição acaba recebendo um desconto de última hora, como se ele fosse especial. Na prática, basta o dinheiro aparecer para que, discretamente, o fornecedor dê o desconto como forma de fugir dos riscos da inadimplência, assegurar imediato capital de giro e mesmo afastar a possibilidade de perder a venda. A questão é que neste tipo de encenação mentirosa, o desconto só não é dado para quem não o pede, prejudicando aqueles que, ingenuamente, acreditam que na venda do produto ou serviço, realmente está sendo praticado o mesmo preço, quer a venda seja à vista ou a prazo.

Na segunda modalidade, o fornecedor realmente respeita o mesmo preço a prazo ou a vista, mas embute todo o valor de juros nos preços finais das suas mercadorias. Cabe ressaltar que em situações normais, no mercado ninguém fornece crédito de graça. E, no caso dos fornecedores, isto nem é viável sob o ponto de vista econômico-financeiro, pois quando eles utilizam crédito de outros fornecedores ou tomam dinheiro em banco ou em factorings, seja por empréstimo, seja por desconto de títulos, pagam juros altíssimos, de modo que não podem se dar ao luxo de conceder crédito sem repassar estes custos. Assim, a técnica se resume em fixar o valor pelo preço a prazo e caso o consumidor pague à vista ou em menor número de prestações, embolsar o lucro adicional, técnica que não deixa de enganar ao consumidor.

Numa terceira forma com traços de irregularidade, existe a prática abusiva de forçar, tacitamente, para que o consumidor não compre à vista, mas incline-se sempre por utilizar o crediário. Nestes casos, o fornecedor, em especial o comerciante, faz de tudo para que o consumidor opte por comprar somente a prazo. As razões podem ser várias, tais como: – fazer com que o consumidor retorne ao estabelecimento comercial e possa ser atraído para efetivar novas compras; – manter um bom relacionamento com o consumidor e, tacitamente, torná-lo ?cativo? comercialmente e distante dos concorrentes; – ou a prática abusiva de ?vender? juros ao invés de produtos ou serviços.

Pode-se tolerar que o fornecedor intente atrair o consumidor para retornar a sua loja e ser alvo da publicidade de novas promoções, mas não se pode aceitar o condicionamento para a venda a prazo quando isto afeta a liberdade de escolha deste adquirente final. Do mesmo modo, é legítimo agradar o consumidor para que ele não se incline para as ofertas dos concorrentes, contudo, tal não deve ser feito fornecendo crédito para quem não tem condições efetivas de assim comprar sem comprometer seu orçamento no longo prazo. Na conjuntura atual, a técnica de acenar com o conforto de um consumo fácil, espichando os prazos para quem não possui renda suficiente, é verdadeira maldade praticada contra pessoas de pouca cultura (principalmente econômica), as quais comprometem seu orçamento por prazos tão longos que ficam sujeitas, ao menor problema imprevisto, a caírem no sobre-endividamento e na inadimplência que os leva a ter inscrito o nome em bancos de dados de maus pagadores. O fornecedor deve ter responsabilidade suficiente para não iludir o consumidor e não ser agente de prática de mercado com alto risco de tornar-se danosa para o consumidor no futuro.

Quanto à última fórmula mencionada, cabe observar que as empresas descobriram que o comércio mais lucrativo no Brasil é o de dinheiro, ou melhor, o do crédito. Faz tempo que os bancos são as empresas que, proporcionalmente, apresentam os maiores lucros no conjunto de setores que compõem a economia do país. As grandes redes de varejo criaram financeiras próprias e buscam constituir banco para financiar suas operações, pois é constatação óbvia ser mais rentável ?vender? juros do que vender eletrodomésticos, por exemplo. E para isto a venda a prazo, é instrumento essencial, e quanto mais longo é o parcelamento, maior o lucro e mais fácil é enganar aos consumidores, principalmente os mais carentes, econômica e culturalmente. Considerável parcela dos consumidores brasileiros não possui cultura econômica sequer para atentar quanto à somatória final do que vai pagar, restringindo-se a observar se a prestação cabe em seu salário. A ?isca? são as ofertas deste tipo (mesmo preço a prazo e a vista) e a falta de instrução contribui para incentivar este processo pernicioso para consumidores e a sociedade em geral.

Conclusivamente, portanto, observa-se que ofertar venda a prazo como sendo pelo mesmo valor a vista, é prática abusiva que deve ser proibida e completamente banida do mercado de consumo. Cabe ao legislador fazer sua parte, aprovando a norma legal específica que complemente o rol do art. 39, do CDC e coíba esta forma tão usual de ludibriar aos consumidores.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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