Até que ponto o presidente Lula pode negociar interesses dos consumidores?

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Oscar Ivan Prux

Ninguém tem dúvida que o presidente Lula é um conciliador, bem como, que ele tem mais facilidade para fazer isso quando negocia o que é da coletividade e o acordo é feito com aliados (ou para manter aliados), seja em sentido político imediatista, seja no aspecto ideológico. Os exemplos são vários, tais como as concessões feitas para a Bolívia do presidente Evo Morales quando da expropriação das refinarias da Petrobrás, a aceitação em limitar as exportações brasileiras para a Argentina, o perdão de dívidas para países africanos em nome de um pretenso resgate dos pecados da escravatura e agora o acordo para rever o Tratado de Itaipu com objetivo de proporcionar ao Paraguai um aumento do valor da energia excedente vendida ao Brasil. Pode ser que ele seja um gênio estrategista capaz de, fazendo concessões pontuais, vir a obter macro-ganhos para o país no longo prazo.

Independente desse contexto, entretanto, quando se negocia interesses de outras pessoas, é evidente que a estas deve ser permitido discutir os termos de qualquer acordo, incluindo esse de revisão do Tratado de Itaipu. Pois bem, e em que isso se relaciona com o Direito do Consumidor? A resposta é simples: se a revisão do mencionado tratado for afetar circunstâncias como a qualidade do fornecimento ou aspectos como o preço, aqueles que serão afetados têm legitimidade para discutir nas Cortes competentes, todos os termos do acordo. Ou seja, atualmente, o Paraguai está contratualmente obrigado a vender para o Brasil, toda a energia excedente a cota dos 50% que lhe tocam na partilha do que é produzido pela Usina de Itaipu, o que não é pouco, pois ela está entre as duas maiores do mundo. E essa venda é feita por preço que foi criteriosamente fixado, desde a construção do empreendimento. Aliás, para que unicamente o Brasil financiasse toda a obra (sem que o Paraguai pagasse sua metade), ficou convencionado desde então, qual seria o preço a ser pago pelo Brasil pela energia que o país vizinho não absorvesse. Rever o Tratado de Itaipu, portanto, significa mudar a regra do jogo depois dele começado, afetando os interesses dos destinatários finais dessa energia (consumidores), principalmente quanto ao preço dela. Assim, os consumidores, representados por entidades e associações constituídas para defender seus interesses devem participar desse debate. A guisa de comentário elucidativo, observe-se que se esse tipo de conduta legitimamente ativa tivesse sido adotada quando foram celebrados os contratos de concessão de rodovias pedagiadas, atualmente os consumidores desses serviços não estariam pagando tarifas tão elevadas.

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Políticos e empresários negociam contratos, mas no final quem paga a conta é o consumidor, pois no campo dos negócios não existe “almoço grátis”. Então, é hora propícia dos consumidores tomarem posição e rapidamente adotarem postura pró-ativa. Se rever o Tratado de Itaipu afetar qualidade, quantidade ou preço da energia para consumidores (diretamente ou, indiretamente, por aumento de preços de outros produtos ou serviços integrantes de relações de consumo), estes têm legitimidade para ingressar nessa discussão, seja em âmbito administrativo, seja em Juízo. Lembre-se que a concepção de relação de consumo em sentido amplo, confere legitimidade aos consumidores para intervir sempre que seus interesses estejam em jogo, mesmo em negócio jurídico que envolva o Poder Público ou possua como partes, unicamente fornecedores.

Alguém pode argumentar que o Congresso Nacional terá de aprovar essa negociação e que isso representaria a participação dos consumidores (afinal, todos os brasileiros são consumidores e o Congresso representa a todos os brasileiros). Todavia, essa circunstância, sob o ponto de vista jurídico, não retira direito às distribuidoras de energia, às empresas privadas que a compram e especificamente aos consumidores de, diante dessa renegociação, questionar os aspectos específicos que os afetam ou afetarão (relembre-se o caso do aumento do gás depois da desapropriação das refinarias da Petrobrás na Bolívia, que o Presidente Lula também negociou à revelia dos reais interessados). Concluindo: independente da insegurança jurídica que causam essas revisões imprevistas em negócios jurídicos e de tratar-se ou não de benesse (ao povo paraguaio ou a um Presidente com alinhamento ideológico de esquerda), o fato é que, sem qualquer viés político que não seja o de proteção aos consumidores, uma vez estando em jogo interesses econômicos desses destinatários finais dos produtos e serviços, naturalmente deve lhes ser permitido e absolutamente cabe que estejam presentes nessa discussão (naturalmente, representados pelas entidades e associações com essa finalidade, que devem entrar imediatamente em ação), pois o futuro mostrará que serão eles que pagarão essa conta.

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Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.