Tatuagens e piercings segundo a ótica da proteção do consumidor

Nunca causou espanto mulheres usarem brincos como adereço de beleza, sendo comum mães levarem filhas ainda pequenas para furar as orelhas. A questão está em que, atualmente, de forma preocupante, a sociedade vê surgirem novas formas de manifestação estética nesta área. Embora a história registre tratar-se de um costume bastante antigo, a prática de colocar piercings (ou implantar outros objetos) ou mesmo fazer tatuagens no corpo, ainda tem um certo sentido de comportamento alternativo, ligado à demonstração de desconformidade ou rebeldia para com os padrões de comportamento da maioria da população. Os maiores adeptos destas práticas costumam ser jovens que, por conta dessa demonstração de adoção de comportamento diferenciado, não costumam dar a devida importância para normas relacionadas à proteção ao consumidor, no caso a sua própria proteção. Este descontrole fez com que proliferassem pessoas que, com ou sem qualificação técnica, fazem este tipo de procedimento para quem quer que se apresente e tudo sem a menor fiscalização quanto à higiene, à qualidade dos materiais e a avaliação das conseqüências do serviço.

Inclusive, tem sido comum ver-se tais práticas sendo efetuadas em calçadas, praias ou locais denominados de fundos de quintal, nos quais, sem maiores cuidados, são feitas tatuagens que causam infecções delicadas ou se constituem em verdadeiras mutilações ou, ainda, são implantados piercings ou objetos que, às vezes, até deformam a condição humana da pessoa. Certo é que todos temos a nossa esfera de autonomia para decidir por adotar determinados comportamentos e critérios de beleza, mas isto tem um limite estabelecido pela preservação da saúde, segurança e proteção da dignidade humana. Não se pode olvidar que se trata de atividade caracterizada como prestação de serviço em relação de consumo (colocada no mercado mediante remuneração), razão pela qual os interesses dos fornecedores destes serviços não podem prevalecer sobre valores maiores atinentes à proteção do ser humano consumidor. Portanto, estas práticas, mesmo se tratando de algo que as pessoas consideram na esfera pertinente à sua autonomia e arbítrio pessoal, por se tratar de prestação de serviço em relação de consumo, não pode ser eximida do cumprimento da Lei n.º 8.078/90 e nem mesmo ser deixada sem outras regulamentações específicas. Por conta disto, a Anvisa lançou uma consulta pública destinada a colher sugestões para o estabelecimento de um nova legislação, com regras mais específicas a serem implantadas a partir de 2007. Deste conjunto de sugestões, se espera que advenham determinações estabelecendo aspectos como, por exemplo, a fixação de idade mínima para que alguém possa se submeter ao processo de implantação de tatuagem, piercing ou outros objetos no corpo, a maneira como este tipo de serviço pode ser divulgado, qual a qualificação mínima dos profissionais fornecedores (e demais requisitos para o exercício da atividade), quais tipos de procedimentos devem ser vedados (tipo: implantar o que pode colocar em risco os olhos ou macular a língua ou os lábios, incluindo prejudicar a higiene), bem como, a forma como o consumidor deve ser esclarecido sobre as conseqüências do serviço, inclusive a reversibilidade ou não dele, etc.

Trata-se de mercado que se alimenta de modismos, que vai desde a tolerada prática de colocar um brinco (tida como quase inofensiva quando não inclui argolas dilatadoras que mutilam definitivamente as orelhas) até procedimentos agressivos como tatuagens a fogo. Todavia, não pode persistir esta realidade que se verifica a existência de fornecedores desqualificados atuando livremente em certos procedimentos quase-cirúrgicos, extremamente lesivos ao consumidor. Independente disto, como já foi mencionado, embora os adeptos dessas práticas não tenham conferido a devida importância, o Código de Defesa do Consumidor incide sobre estas situações. Vale relembrar que o CDC é norma de ordem pública (e, em processo judicial, até de aplicação ?de oficio? pelo Juiz), ou seja, indisponível para as partes quando está em jogo princípios inafastáveis de proteção ao ser humano consumidor. Neste contexto, então, revela-se impositivo o cumprimento do previsto no disposto no CDC, em especial no art. 8.º (pelo qual só podem ser colocados no mercado serviços que não acarretam riscos à saúde e segurança do consumidor), e no art. 6.º (inc. I) e art. 14 (inc. I), que prescrevem a proteção da vida, saúde e segurança do consumidor, incluindo os aspectos físicos e psíquicos (presentes e futuros). Acrescente-se, ainda, que a informação sobre estes serviços deve incluir os riscos e as conseqüências relativas a repercussão social para o consumidor depois de portador da tatuagem ou piercing, bem como, tal como estabelece o inc. IV, do art. 39, do mesmo código, observar-se que os fornecedores não têm amparo legal para ?vender? aos jovens, certas ilusões de beleza que alardeiam qualidades que estes procedimentos não tem condição de proporcionar.

Assim, seja parte de um comportamento alternativo ou não, o fato é que o serviço é destinado a satisfação de uma necessidade psicológica do consumidor (a) e sob o ponto de vista legal, configura relação de consumo que deve ser submetida a todos os ditames do CDC, com a devida responsabilização em caso de descumprimento. Com a chegada das férias de verão, em que normalmente aumenta o número destes procedimentos, tem-se a expectativa de que a Anvisa, já no início de 2007 coloque em vigor esta nova legislação protetiva para consumidores (e famílias), principalmente em prol da faixa mais jovem da população que consome estes serviços, muitas vezes sem maiores esclarecimentos e sem a real consciência das conseqüências que advirão para sua vida.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em Direito. coordenador do curso de direito da unopar em Arapongas. e diretor do Brasilcon para o Paraná.