O Banco Central do Brasil, em 26 de março passado, editou a Resolução de n.º 3.693, no sentido de colocar fim à prática abusiva das empresas, em especial os bancos, de cobrarem pela emissão de boleto. Nada mais fez do que estampar em norma aquilo que a Justiça já vinha declarando em processos, pois é até surreal que alguém tenha de pagar ao credor para que este lhe apresente um documento para ser quitado quando do pagamento da dívida. Afinal, desde antes da civilização romana da antiguidade que se sabe do dever legal daquele que recebe, obrigatoriamente, entregar este tipo de comprovante.
O boleto, então, consiste em documento que é dever do credor apresentar e não do devedor pagar como se fosse algo que representasse um serviço a mais para beneficiar a este último.
Este tipo de cobrança era apenas uma dentre tantas outras tarifas inventadas pelos bancos para, aproveitando-se do fato de que atuam em sistema de oligopólio (poucos fornecedores para muitos clientes), aumentar seus lucros através de proveito indevido em detrimento dos direitos de consumidores. O resultado é que existe tarifa até para o consumidor sacar o dinheiro que lhe pertence. No país do absurdo nessa área, certo é que as instituições bancárias têm contado com a leniência, exatamente do órgão regulador que devia fiscalizá-las.
Deste modo, com caráter empresarial tipicamente arbitrário, a conduta dos bancos simplesmente têm sido criar a tarifa que desejam. Quando muito, eles apenas observam as normas do Banco Central do Brasil que, de forma corporativista, se preocupa basicamente em lhes assegurar polpuda rentabilidade. Os bancos pouco atentam às leis de hierarquia superior (exemplo: o Código de Defesa do Consumidor que sempre tentaram negar), bem como, não se preocupam com as reclamações contra suas reiteradas faltas cometidas no mercado, pois o Banco Central não os pune devidamente. Aliás, esse órgão regulador, demora anos para estabelecer a regulamentação proibitiva de práticas abusivas que são óbvias, como no caso da cobrança por emissão de boleto. Essas normas somente surgem depois que a Justiça proferiu milhares de decisões naquele sentido (de considerar abusiva a tarifa), a demonstrar que este órgão não exerce realmente seu papel de regulamentação, pois permite abusos sucessivos mesmo diante de situações em que a legislação de hierarquia superior é clara e expressa em sentido contrário. Com isso gastam-se milhões de reais para movimentar a estrutura do Judiciário, provocam-se prejuízos e desgastes entre os consumidores dos serviços e se permite lucro indevido para os bancos.
Pois bem, um detalhe que chama atenção na legislação emitida pelo Banco Central do Brasil é que quando se trata de impor limites aos bancos com referência a seus fornecimentos de serviços para consumidor, sempre são inseridos nas normas editadas, dispositivos de efeito apenas cosmético. E tal não é diferente na Resolução 3.693/2009. Veja-se o que ela diz textualmente: “Art. 1.º – A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou usuário.”
Parece tratar-se de disposição valiosa para o consumidor de serviços bancários, mas na verdade ela é substancialmente inócua. Simplesmente impor a existência do contrato ou de determinada previsão a ser inserta nele, por si só, mais ajuda a arrecadação do fisco, do que protege os interesses dos consumidores. Primeiro que essas instituições atuam em regime de oligopólio, detendo o poder de condicionar a contratação unicamente por contratos de adesão. Então, para o banco é fácil cumprir a determinação do Banco Central estabelecendo genericamente a previsão contratual da tarifa (sem fixar seu valor e, depois, cobrar o quanto quer), enquanto ao consumidor restará apenas sujeitar-se: ou se submeter a assinar o contrato de adesão, estabelecido substancialmente em prol dos interesses da instituição bancária, ou receber uma negativa em contratar.
Em síntese: em nome dessa liberdade de atuação no mercado e de uma concorrência que de fato inexiste em um regime de oligopólio, o Banco Central do Brasil tem permitido tarifas estapafúrdias, sequer limitando o valor que pode ser cobrado. E basta observar que o site da Febraban (entidade que congrega os bancos) apresenta apenas as tarifas cuja cobrança é expressamente vedada, deixando implícito que conforme a mentalidade reinante nesse setor, tudo o mais seja possível por não ser proibido, bastando usar a criatividade para gerar novas tarifas com novos nomes. E aí se inclui, por exemplo, a tarifa por quitação antecipada de empréstimo ou financiamento, que os bancos dizem ter amparo na Resolução n.º 3.401/2006 do Banco Central do Brasil, mas que também vem sendo declarada judicialmente como uma cobrança abusiva/ilegal, por desrespeitar o contido no Código de Defesa do Consumidor (ação coletiva movida pelo Ministério Público, processo 0703065940, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul).
A regulação do funcionamento da atividade bancária para consumidor, não deve se restringir a proteger os bancos e somente depois de milhares de decisões judiciais, tardiamente reconhecer aquilo que, na seara das práticas e cláusulas abusivas, a Justiça já esteja decidindo repetidamente. É realmente importante a liberdade de atuação dos órgãos reguladores, mantendo-os a salvo de ingerências de ordem político-partidária, mas é fundamental reconhecer que isso não altera o dever, no caso do Banco Central do Brasil, de efetivar sua função social.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.